DOWSWELL, Paul. O Órfão de Hitler. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.
Capitulo 1: Varsóvia, 2 de agosto de
1941.
Piotr Bruck, mais outros tantos garotos esperavam no
corredor comprido e frio, devido a corrente de ar que vinha do lado de fora.
Poderia estar com muito frio, mas também com medo, pois dois homens de jalecos
brancos sentados á mesa, faziam exames apressadamente em cada um dos meninos
que estavam pelados numa fila. Eles usavam uns instrumentos de aparência muito
estranha.
Alguns dos garotos, após o exame, eram direcionados para a
sala á esquerda da mesa, enquanto outros para a sala da direita. O medo de
Piotr era tanto que ele quase se sentia desligado do corpo. Sua bexiga doía
muito, mas sabia que não adiantava pedir para ir ao banheiro. Os soldados
chegaram ao orfanato para pegá-los, foi nesse momento que pediu, mas levou um
tapa na orelha por ter falado sem permissão.
Alguns desses meninos voltavam para o orfanato e contavam
que foram fotografados e medidos pelos soldados e nada mais. Piotr podia ver
vários soldados com uniforme negro, com a insígnia de um raio no colarinho, com
alguns cães alsacianos (da região Nordeste da França) ferozes presos á coleira
(p. 7).
Mas, outro homem lhe chamou a atenção; pois usava uma
insígnia maior que os demais, observando atentamente tudo que era feito e
carregava ás mãos um pequeno chicote de montaria de couro. Seu cabelo era
raspado dos lados, no estilo alemão, uns sete a oito centímetros acima das
orelhas.
Com óculos escuros de armação preta, observava os meninos e
assentia com a cabeça, enquanto seus olhos percorriam a fila dos meninos. A
maioria dos garotos eram louros como Piotr, apenas alguns tinham cabelos
escuros. Faltavam apenas dois garotos a sua frente na fila, quando Piotr pode
ver que a sala á direita dava diretamente para outro corredor com uma porta
aberta, que dava para fora do orfanato. Depois da porta, havia um caminhão
coberto (lonado) onde se viam rostos tristes e guardas com rifles e baionetas.
Ele tomou outro tapa na orelha: - olha para frente! –
Berrou um soldado. Sobre a mesa havia um fichário de metal, pintado em letras
negras e grossas, com as seguintes palavras: “Departamento de Raça e Povoamento”. Quando chegou a sua vez. Ele
rezava para não lhe mandarem para a sala da direita. Um dos homens olhou para
ele e sorriu; e disse para seu companheiro: - Mal precisamos nos dar ao
trabalho, disse ele. – Ele é igual aquele menino do cartaz da Hitler-Jugend
(p.9).
Eles usavam uma pinça para tirar as medidas dos meninos,
principalmente das orelhas. Depois rapidamente mediam seus rostos. Mandaram que
Piotr fosse para a sala da esquerda, o que ele faz apressadamente. Nesta sala,
deparou-se com duas enfermeiras; uma robusta e maternal, a outra mais jovem e
pequena. Ele ficou corado e vermelho, pois estava pelado segurando suas roupas
(p.10).
Ele se sentiu inebriado (extasiado) de alívio, pois não foi
mandado nem para a sala da direita, nem para o caminhão coberto. Havia acabado
a seleção dos garotos. Os últimos poucos que restaram, vestiram rapidamente
suas roupas, enquanto que a enfermeira mais velha batia palmas para chamar a
atenção:
- Crianças; disse ela. – Com um sotaque alemão áspero, disse
aos meninos: - Um cavalheiro muito importante está aqui para falar com vocês. –
Quem fala alemão? Com medo, ninguém se
apresentou.
- Vamos lá, sorriu ela. – Não fiquem tímidos. Piotr pôde
sentir que ela não lhe faria mal algum. Deu um passo a frente e se dirigiu a
ela em alemão fluentemente. – Onde aprendeu a falar assim? – Meus pais,
senhora. Os dois falavam alemão.
A enfermeira o abraçou fortemente, enquanto ele lutava para
segurar as lagrimas. – Quem é você, mein junge? (tradução: garoto, menino, filho). –
Componha-se, jovem Piotr, sussurrou ela em alemão, Herr Doktor não é um homem muito paciente (p.11).
Aquele homem alto e de cabelos escuros que ele vira antes
entrou na sala. E perguntou a ela qual dos meninos falava alemão? – Dê-me
apenas alguns minutos com este aqui, pediu ela. Quero que você diga aos meninos
tudo que Herr Doktor disser.
- Vocês, meninos, foram escolhidos como candidatos á honra
de serem recuperados pela comunidade nacional alemã. Serão submetidos a mais
exames para determinar seu valor racial (...) e se são ou não dignos de tal
honra. Alguns irão fracassar e serão enviados de volta para seu povo.
- Aqueles que forem considerados Volksdeutsche[1],
de sangue alemão, serão levados para a mãe-pátria e serão encontrados para
vocês boa famílias e lares alemães. Ele virou-se e saiu da sala. Houve um
alvoroço, choros e gritarias de raiva. Doktor Fischer voltou imediatamente e
bateu com o chicote contra o batente da porta. Havia dois soldados com ele.
- Como ousam reagir com tamanha ingratidão? – Vocês não vão
querer ficar entre os que serão deixados para trás. Piotr traduziu sua fala com
voz altiva e em polonês. Um dos meninos foi em sua direção e deu-lhe um soco
forte na têmpora e o derrubou no chão. – Traidor, disse com raiva, enquanto era
tirado dali por um soldado (p.12).
Capítulo 2: Estada em Um Novo Orfanato
Piotr e os outros garotos foram
levados para um dormitório incrivelmente limpo e arejado. Receberam toalhas,
sabão e permissão para tomarem banho quente. Ele se perguntava: Será que estava
certo quando me voluntariei para traduzir? Claro, as crianças precisavam
entender o que o médico estava falando, e o polonês daquela enfermeira idosa
não era bom (p.13).
Quando a hora do banho terminou,
todos receberam roupas limpas, leite morno e pão, e puderam descansar nas camas
do dormitório. Eles deixaram vários livros para que pudessem ler. Piotr leu a
Signal, uma revista das Forças Armadas Alemãs. No outro dia, por volta do
meio-dia, todos foram convocados para novos exames.
Depois que chamavam um,
aproximadamente meia horas depois voltavam. Pelo menos a maioria retornou. A
enfermeira jovem surgiu e chamou o nome de Piotr. O homem aparência para uma
investigação cientifica.
Sobre a mesa além dos instrumentos
estranhos, estava um estojo que continha olhos de várias cores classificadas.
Eram tão reais que dava calafrios. Outra caixa de metal continha mechas de
cabelos, arrumadas da esquerda para direita e numeradas de 1 a 30; da cor mais
clara para a mais escura (p.14 e 15).
Uma etiqueta com letras góticas
escuras na tampa dizia: Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia,
Hereditariedade e Eugenia[2].
Depois de tirada todas as medidas, fotos e ter preenchido o formulário, o homem
de jaleco brando ausentou-se da sala e retornou com Doktor Fischer.
Desta vez ele estava mais agradável.
– Você, meu amigo, é uma espécime magnifico da juventude nórdica. Conte-me
sobre seus pais. Como veio viver aqui entre os polacos? – Meu pai (...) era da
Prússia. A família dele era de fazendeiros. O pai da minha mãe era da Bavária e
casou-se com uma moça polonesa (p.17). – E o que aconteceu para você vir parar
no orfanato? – Você não foi registrado como Volksdeutche? – Fui sim. – Acredito
que houve alguma falha no registro.
- Agora me conte o que aconteceu com
sua mãe e o seu pai? – Meus pais foram mortos na noite da invasão soviética.
Tinham saído para visitar amigos. Foi a primeira vez que fiquei sozinho em
casa, aos 13 anos. Eles nunca mais voltaram. Uma semana depois, fui mandado
para o orfanato (p.18).
Herr Doktor falou abertamente: -
Alguns soldados queriam mantê-lo aqui como interprete, mas acho que você merece
algo melhor. Vou recomendar que seja devolvido ao Reich (Império) para que encontrem uma família alemã para adotá-lo.
Piotr ficou perplexo: ontem, eu estava passando fome naquele orfanato
miserável, agora estavam lhe oferecendo uma vida completamente nova (p.19).
Desde aquela manhã da seleção dos
garotos, eles foram proibidos de falar o Polonês. E aqueles que insistiam,
foram chicoteados na frente dos outros meninos, com cinto. Segundo Herr Doktor,
o polonês é uma língua apropriada para escravos, vocês são de uma linhagem
Alemã e recuperados pela Comunidade Nacional, por isso devem falar Alemão
(p.20).
‘ Enquanto os outros meninos tinham que
estudar o idioma alemão, Piotr ficava lendo livros no dormitório ou no jardim,
pois falava fluentemente esta língua. O menino que lhe dera um soco, Feliks Janiczek, se recusou a aceitar
seu destino e fugiu duas vezes, em dois dias seguidos. Ele levou uma surra na
frente dos outros garotos e foi mandado de volta para o orfanato.
No dia seguinte, Piotr foi chamado a
presença de Doktor Fische, pois seria mandado para o Reich, em Landsberger, onde seria criado por uma
família alemã. – Estou disposto a recomendá-lo pessoalmente. Confio que não vai
me desapontar (p.21).
Capítulo 3: Entre Varsóvia e Landsberger – 24 de Agosto de 1941.
Piotr observava pelo
vidro da janela da trem, os campos planos da planície do norte europeu que
passavam. Frauler Spreckels, a enfermeira bonita do centro de espera, viajava
com ele. Ela disse: Se tudo correr bem, antes do fim do dia chegaremos a
Landsberger e em uma ou duas semanas. Ele teria um novo lar, um lar de verdade.
(p.22)
Ele viu passar outro trem em sentido ao leste, carregado
com canhões antiaéreos montados numa plataforma e vários soldados que cantavam,
enquanto outros bebiam e jogavam cartas. Piotr perguntou a ela: - Por que não
temos canhões para nos proteger? – Ela riu! – Quem vai nos atacar? – Nossos
rapazes destruíram a maior parte da força aérea soviética e os ingleses não
conseguem voar tão longe da Inglaterra.
Do lado de fora, o cenário mudou e as pastagens eram
substituídas por ruas e casas juntas. – Onde estamos? – Estamos em Wartheland,
respondeu ela com orgulho. Agora você está na Alemanha! Tudo isso é território
recuperado da Polônia. Quando o trem passou próximo de algumas torres de outra
cidade, Piotr disse:- Conheço este lugar, eu já estive aqui. – é Lodz.
Ela ficou séria e disse: - Não é mais Lodz, agora se chama
Litzmannstadt. Antes da invasão alemã, Lodz era a segunda maior cidade da Polônia.
Piotr estava a caminho de uma nova vida e melhor nas Alemanha. Eles estavam
presos na Polônia, escravos em seu próprio país (p.23).
Quando o trem entrou na velha Alemanha, território que a
pertencia antes da invasão de 1939, houve uma mudança imediata da paisagem. As
pastagens e plantações apresentavam-se bem cuidadas e limpas. Esta era uma
terra de fartura e prosperidade.
Em Litzmannstadt, vinte novos garotos embarcaram no trem
para viajar até o albergue Lebensborn, em Landsberg. A enfermeira levou Piotr
para conhece-los, pois estavam em outro vagão do trem. Alguns deles pareciam
assustados, outros com semblantes desafiadores, com lábios contraídos e
apertados numa expressão de rebeldia. Seus olhos duros como que desafiando
qualquer um que ousasse falar com eles (p.24).
Piotr cumprimentou um grupo deles:- Guten Tag. Todos deram
respostas lentas e balbuciantes. Ele se sentiu estranho e instintivamente
começou a falar com eles em Polonês. – Dzien dobry. – Bom dia. Um dos soldados
levantou-se imediatamente e ergueu a mão para bater nele, mas a enfermeira
ficou entre eles.
Eles voltaram para seu vagão e Fraulen Spreckels o
repreendeu: - Tenha cuidado! Sei que não foi intencional, mas pode criar muitos
problemas para você e para os outros meninos. Este incidente parece ter azedado
a atmosfera entre eles, pois passaram as próximas horas num silêncio
desconfortável (p.25).
Capitulo 4: A Ida de Piotr para
Alemanha
Nos
dois anos anteriores a morte de seus pais, Piotr vira com os próprios olhos
como era a vida dos poloneses comuns. Agora ele tinha sido reclassificado como
alemão, com a tomada da Polônia pelos nazistas. Sempre que ele lembrava de seus
pais, um enorme lago de aguas negras parecia precipitar-se para engoli-lo. Ele
classificava seu pai como alto e taciturno[3].
Também lembrava da mãe com muito
carinho, pois ela o ensinara muito, mais do que na própria escola do vilarejo.
Saiam para longas caminhadas pelos campos e sempre se interessava por suas
ideias e histórias. Ela era alta e loura, como ele. As pessoas diziam que ele
tinha puxado sua mãe (p. 26).
Ele era fascinado pela paisagem sem
fim dos campos e cidadezinhas. Porém, suspeitava, aos seus dez anos de idade,
que tudo aquilo se encaminharia para uma catástrofe iminente. Certa vez, seus
pais estavam sentados em torno do radio grande na cozinha, encolhidos perto do
fogão no final do inverno, escutando as noticias sobre a tomada da Áustria
pelos nazistas. Sua mãe parecia apreensiva.
- Ele agora está no caminho da
guerra. Quem será o próximo a ser devorado? – Quem é ele? Perguntou Piotr. –
Hitler, disse ela. O chanceler da Alemanha. (...). Basta ouvir ele falar
algumas palavras para ver como é cheio de ódio. Deu-se inicio uma discussão
entre seus pais, e Piotr foi para o seu
quarto.
De lá dava para ouvir a discussão e
os gritos entre eles. O pai berrava que Hitler, que eles chamavam de “Fuher” - líder da Alemanha, faria outra
vez dela uma grande nação. Sua mãe irritada, a ponto de chorar, retrucava que
os nazistas eram violentos e mal intencionados.
- Olhe só o que eles fizeram com os
judeus em seu pais, disse ela. Espancamentos nas ruas, boicotes perversos às
lojas judias e, ás vezes, assassinatos a sangue frio. – Os partidários do Fuher as vezes exageravam, disse ele.
Mas os judeus na Alemanha estavam muito gananciosos (p.27).
Essa conversa sobre nazistas
intrigou Piotr. Ele conhecia algumas crianças judias no vilarejo. Eles
brincavam juntos e se não lhe contassem, não saberia jamais que eram judeus. Os
homens usavam barbas grandes e cerradas, paletós escuros e compridos.
Durante o verão, os jornais e rádios
trouxeram mais noticias agourentas. As regiões de Tchecoslováquia haviam sido
anexadas pelos nazistas. Seis meses depois, tomaram o pais inteiro.
- Nós seremos os próximos, disse Frau
Bruck. Sei que eles estão vindo. Seu marido, Herr Bruck assentiu com a cabeça e
segurou a mão de sua esposa. Ficaríamos mais seguros com os alemães aqui para
nos proteger. Se alguém vai nos engolir, do leste ou do oeste, prefiro que seja
nossa própria gente. Não quero que os
comunistas poloneses vos unam aqueles loucos do outro lado da fronteira na
Rússia (p.28).
Se os comunistas tomarem o poder,
pessoas como nós, serão colocadas na parede e fuziladas. Frau Bruck podia ver
algum sentido naquele argumento, pois temia os Russos ainda mais do que os
nazistas.
Capitulo 5: Polônia – Setembro de 1939.
A família Bruck soube que a guerra
tinha sido declarada em uma bela manhã de verão. Naqueles dias, o mundo
aprendeu uma palavra nova: Blitzkrieg
– guerra relâmpago. Enquanto Varsóvia estava sitiada, o que eles mais temiam
finalmente aconteceu. Os Soviéticos invadiram o leste.
As estradas estavam bloqueadas por
milhares e milhares de refugiados, com seus cavalos e carroças, seu gado, seus
bens em carrinhos de bebê, carrinhos de mão e trols (um tipo de carruagem). Herr Bruck saiu para comprar
provisões no vilarejo e foi atacado por seus vizinhos.
Os alemães eram simplesmente
assassinos, gritavam enquanto o agrediam. O tempo permaneceu bonito e
ensolarado, sem habituais chuvas de setembro, que transformavam as estradas de
terra em lamaçais. O solo estava seco e duro sob os pés (p.30-31).
Piotr não se esquecera das palavras
do pai, no ano anterior sobre o que aconteceria se os soviéticos
chegassem. Ele estava consumido pela
ansiedade que agora mal dormia a noite, e passava o dia inteiro se sentindo
mal, com uma pesada bola de medo afundado nas profundezas de seu estomago.
Na verdade, quando o rádio anunciou
que o cerco de Varsóvia terminara, e a Polônia se rendera, a família Bruck
comemorava. Também ouviram que os soviéticos tinham parado no rio Bug, a apenas
vinte quilômetros da fazenda de seus pais. Soldados alemães em motocicletas
chegaram ao vilarejo três dias depois, com metralhadoras montadas em seus sidecars.
Pessoas começavam a desaparecer e
havia rumores de pilhas de corpos na floresta, cobertos de moscas e vermes. –
Se mataram alguém, provavelmente eram comunistas. Esses traidores não merecem
nossa piedade. O professor e o padre do
vilarejo desapareceram. (p.32)
Provavelmente foram levados para
serem interrogados, disse Herr Bruck. Para saberem de que não são comunistas. –
Mas e os meninos judeus do vilarejo? Perguntou Piotr. Seus pais ficaram em
silêncio. A mãe começou a chorar. – Não
sabemos o que aconteceu com eles, disse seu pai para tranquiliza-los.
O pai de Piotr teve uma discussão
inicial com soldados alemães, quando quase levou um tiro por exigir que eles
tratassem os empregados da fazenda com mais respeito. Os nazistas logo
reconheceram que os Bruck eram da raça alemã. Eles tiveram até permissão para
ficar com seu rádio, enquanto que o de todos os seus vizinhos poloneses foram
confiscados.
Em outubro daquele ano, todo o leste
da Polônia, Silésia, Pomerânia e Lodz, se tornou parte da Alemanha. Eles
souberam que nos vilarejos e nas cidades, todas as universidades, escolas e
bibliotecas foram fechadas. Então, os judeus que restaram foram obrigados a
usar uma estrela amarela na manga de suas roupas (p.39).
Melhor os nazistas que os
soviéticos, insistia obstinadamente Herr Bruck, mas Piotr percebia que seus
pais estavam apreensivos. Na primaverado ano de 1940, quando a guerra
recomeçou, os Bruck ficaram ainda mais preocupados. E se os nazistas tiverem
dado um passo a mais que as pernas?
O que impediria os soviéticos de
cruzar o rio Bug e engolir o resto da Polônia? Mas novamente o exército Alemão
conquistou o que havia pela frente: Noruega, Dinamarca, Bélgica e Holanda,
todos foram engolidos num mês (p.33).
Na noite de 22 de junho de 1941, Piotr acordou antes do
amanhecer com o estrondo terrível de aviões voando acima de sua cabeça e o
fragor (ruído estrondoso) assustador dos tanques nas estradas. Algo de se
abalar o mundo estava acontecendo bem ali próximo de sua porta.
Correu
para o quarto dos pais, mais não estavam lá. Na noite anterior, eles saíram
para jantar com amigos no vilarejo, mas não retornaram. Talvez tivessem
explicação lógica para ausência deles. Ao amanhecer, com Solveig (cachorra)
correu pelo caminho que leva para a cidade – Wyszkow. Em lá chegando,
reconheceu o carro de seu pai no estacionamento, apesar de estar terrivelmente
destroçado, pois a placa estava pendurada – WZ-1294. (p.34)
Havia dois homens junto ao carro, eram empregados de seu
pai. Logo que o viram, gesticularam para que não chegasse perto do carro. Piotr
notou uma trilha de sangue seco por baixo da porta do passageiro. Suas pernas
cederam e ele caiu ao chão e começou a vomitar. Um dos homens se aproximou e o
ajudou a se acalmar. Depois que parou de vomitar, ele levou Piotr para sua
casa.
Tempos depois, Piotr pediu para o levasse para a fazenda de
seus pais. Quando chegaram na entrada, um soldado alemão fez gesto para irem
embora. – Mas é minha casa. O soldado o derrubou com a coronha de seu rifle e
disse: - Agora é do Exército. Agora caia fora antes que te mate. (p.35)
Solveig partiu em direção ao soldado, momento em que ele
desferiu um tiro e a matou. Um dos empregados de seu pai o levou para sua casa,
mas disse-lhe que não tinham condições de ficar com ele. Dias depois, ele foi
levado para o orfanato.
Capitulo 6: Berlim – 31 de agosto de
1941.
Desde a ocupação da Polônia, muitos Ostarbeiters – trabalhadores do leste,
foram trabalhar na Alemanha. Agora mais deles iriam chegar dos territórios
conquistados da união soviética. Franz Kaltenbach, tinha de determinar o grau
de pureza racial da criança. Se o Polonês tivesse algum sangue alemão, talvez a
criança pudesse ser considerada aceitável, mas se fosse eslavo puro, era
considerada um “acréscimo populacional indesejado” (p.41).
Se isso acontecesse, se a criança
ainda não tivesse nascido, seria feito um aborto ou o envio para o pior tipo de
orfanato. Seus pais ainda eram punidos severamente. O Eslavo, especialmente o
do sexo masculino, era executado. O Alemão era enviado para um campo de
trabalho.
Hitler subiu ao poder em 1933, e a
Vassoura nazista passou por todas as universidades e os deixou judenfrei – livres de judeus. O professor
Kaltenbach fazia parte do partido nazista de 1931 e os havia impressionado por
suas pesquisas com grupos sanguíneos raciais. Ele acreditava que, com o tempo e
verbas descobriria indicadores químicos no soro sanguíneo que comprovariam as
origens raciais de uma pessoa.
Kaltenbach era casado com Frau
Kaltenbach e tinha três filhas: Elsbeth, a mais velha tinha 20 anos; Fraudl
tinha 13 anos e Charlotte 8 anos. Ele e sua esposa foram escolhidos para adotar
Piotr. Sua esposa disse: - O menino (...) você disse que ele é louro? Será que
ele não ficaria um pouco deslocado nesta família? Kaltenbach tinha cabelos
escuros, Frau cabelos castanhos densos, enquanto que as meninas também tinham
cabelos escuros. Os cabelos escuros era característica clássica do Alemão
Bávaro ou Austríaco (p.44).
Ele ficaria orgulhoso de criar um
menino com essa aparência. Disse sua esposa: - Se fosse um bebê, talvez as
meninas aceitassem com mais facilidade. – Liese, ter Charlotte quase matou
você. E, mesmo que assumíssemos o risco de ter outro filho, a probabilidade é
quase certa de vir outra menina. - Sugiro ir até lá para avaliar esse menino,
depois disso, tomaremos nossa decisão (p.45).
Capitulo 7: Landsberg – 2 de setembro
de 1941.
Piotr estava sentado sozinho em um
espartano (caracterizado pela simplicidade, sem muito conforto e luxo) quarto
lateral do albergue. Ele estava esperando havia uma semana ou mais, por isso a
ansiedade aumentava, já tinha lido vários livros e revistas. Ele teve permissão
para passear nos jardins, de onde dava para avistar o lado de fora. Via moças
passeando em grupos de duas ou três com seus bebês e carrinhos.
O sol fez com que ele se sentisse
solitário, momento em que se lembrava de seus pais, tendo que lutar para conter
as lágrimas. A inspetora do orfanato disse-lhe sobre a família de Berlim que
estava interessado em conhecê-lo. – É uma família de posses, gente importante,
disse ela (p.46-47).
Estavam em setembro e houve uma
comoção a porta. Entrou um homem alto e robusto, de meia idade, com cavanhaque
do tipo que os cientistas costumam usar. Era seguido por uma mulher com aspecto
assustador, de estatura mediana e magra de corpo. – Heil Hitler! Eu sou o
professor Kaltenbach, disse o homem, após a saudação e apertar a mão de Piotr.
– Guten Tag, disse Piotr. Kaltenbach explicou para ele que nesses dias na Alemanha,
era a forma de saudação: braço esquerdo estendido e a pronuncia – Heil Hitler.
- Diga-me seu nome. – Meu nome é
Piotr Bruck. – Um bom nome alemão. Você vai precisar dizê-lo e escrevê-lo de
modo diferente, é claro. Piotr com seu consentimento, contou-lhe tudo o que lhe
acontecera. Até Frau Kaltenbach pareceu comovida com sua história.
- Que tal ir conosco para Berlim?
Sabendo que não tinha realmente escolha, ele fungou e disse sim. No trem a
caminha de Berlim, Piotr começou a ver fileiras de casas pequenas com seus
jardins e, mais a frente, os grandes prédios de apartamentos, com seis e sete
andares. Ele sentiu uma onda de esperança (p.50).
- O apartamento da família
Kaltenbach ficava no terceiro andar e era impecável. Havia três garotas
sentados ao sofá da sala a espera dele. – Este é Peter, ele vai morar com a
gente. Eu gostaria que o tratassem como se fosse como um irmão. As meninas se
levantaram para cumprimenta-lo.
- Elsbeth, a mais velha, era parecida com a mãe. Ele é alto para um
garoto de sua idade, disse enquanto apertava sua mão. – Fraudl, a de treze anos,
era uns quinze centímetros mais baixa do que ele. Sorriu simpaticamente e
disse: - Heil Hitler! Bem vindo a Berlim. Charlotte, tinha oito anos, e estava
um pouco embaraçada com aquela situação. Deu um sorriso timido e não disse
nada.
A mais nova chamou Peter para
conhecer o seu quarto. Num lugar de honra e sobre a lareira, havia um retrato
de Adol Hitler, e perto das cortinas havia uma fileira de minúsculas bandeiras
com a Suástica[4]
presa a parede. Kaltenbach e sua esposa levaram Peter para conhecer seu quarto. Havia dois presentes sobre a
lareira e cada um deles embrulhado cuidadosamente com papel vermelho, com um
laço branco. Dentro de um dos pacotes, tinha um Mercedes conversível de metal.
O outro, vários soldados de brinquedo em posição de desfile (p.54)
Ele fez um esforço para demonstrar
que estava satisfeito, mas achava estar velho para eles. Apesar disso, como
dizia sua mãe: “o que vale é a intenção”. Os agradeceu dizendo que ficariam
muito bem em cima da lareira. A sua filha mais velha tinha preparado o jantar.
Todos sentaram á uma mesa enorme de carvalho na sala de jantar. Kaltenbach deu um gole pequeno no vinho que
estava sobre a mesa e disse: - Direto da
França. – Há um velho ditado alemão que diz: “Um bom alemão não gosta de nenhum
francês, mas gosta de beber seu vinho”.
Ele e Peter descobriram o fascínio
comum por maquinas voadoras. A Alemanha era líder mundial, disseram os dois, no
campo da aviação. Kaltenbach tinha visto o dirigível sobrevoar Berlim. Uma
magnifica conquista da engenharia, contou a Peter, do tamanho de um
transatlântico. Ele estava convencido de que os culpados por sua destruição
eram sabotadores, provavelmente a soldo dos americanos (p.55).
Depois de ir se deitar, cheio de boa
comida e se sentido feliz, pensou em sua antiga casa. A mobília era velha e
puída (desgastada). Moscas voavam pela cozinha escurecida pela fuligem. Na
verdade, era bem pobre. Nunca antes pensara na casa na sua fazenda polonesa
desse modo e sentiu uma pontada de culpa.
As meninas mais novas pareciam
gostar dele, mas ficava cauteloso quanto a mais velha e sua mãe. O professor
era bem diferente de seu pai, amistoso e interessado nele, disposto a
conversar. Achou que ia se adaptar aquele lugar. Naquela noite, dormiu mais
profundamente do que fizera em meses.
Capitulo 8: Berlim – 3 de setembro de
1941.
No sua primeira manhã em sua nova
casa, Peter foi com Frau Kaltenbach às compras. Ela o levou na KaDeWe, a maior
loja de departamento da Europa lhe disse com orgulho: - ela fica a cinco
minutos de nossa casa. – Não queremos que ninguém pensa que você é nosso
parente pobre; disse ela (p.57).
Estando em casa pela tarde daquele
dia, estava Peter e Elsbeth sozinhos na sala de jantar; quando ela disse: - Não
estávamos esperando alguém civilizado. Algumas meninas com quem estudei, diziam
que os poloneses alemães são sujos e falam tão mal que você não consegue
entende-los. Elas ainda diziam que não sabem a diferença entres eles e os
polacos. Mas você não é assim, é?
Foi a primeira vez que ela lhe
dirigiu mais que algumas poucas palavras. Peter supôs que essa era a versão
dela de ser simpática e se sentiu bem satisfeito com isso. Era secretamente
fascinado por ela. Sem dúvida, ela era muito
bonita. Sentados a mesa do café, perguntou ao senhor Kaltenbach: - E o Senhor e
Tante Liese, vão me adotar? – Ainda não, Peter. Por enquanto, somos apenas seus
guardiães. Se tudo ter certo, então, em algum momento futuro, vamos acertar a
papelada e adotar você. É cedo demais
para se pensar em adoção, afinal de contas,
faz apenas algumas semanas que você perdeu seus pais (p.58).
Na Polônia, quando os alemães
chegaram as escolas foram fechadas, disse Peter. A sua mãe antes de se casar
era professora e continuou a ensina-lo em casa. Tante Liese o matriculou na
escola do bairro. Era bom estar de volta a uma escola de verdade, com quadros
negros, carteiras e um pátio.
No primeiro dia de aula foi meio
embaraçoso para Peter. O diretor da escola falou sobre ele para toda a escola
na assembleia matinal: - Peter é um camarada racial. Deve ser bem tratado no
espirito do companheirismo do Nacional-socialismo. Ele não é um Auslander, ou
seja, um estrangeiro. É um dos nossos. Por ser muito alto e atlético, ele não
era um alvo natural para os valentões. Os novos ensinos, quase tudo parecia ser
sobre política. Até os problemas nos livros de matemática eram sobre política:
“A construção de um asilo de loucos custa 6 milhões de
Reichmarks. Quantas casas de 5 mil reichmarks poderiam ser construídas com essa
quantia?”
Ele
ficou impressionado, pois estas questões faziam você pensar. Na Polônia, os
problemas de matemática eram muito chatos: “Se um fazendeiro tem cinco
galinhas, e cada galinha põe sete ovos por semana, quantos ovos elas produzirão
em três semanas?” (p.59).
Em
Berlim, estar em forma e saudável parecia mais importante do que aprender. E os
esportes ocupavam grande parte de seu dia na escola. No jantar, Herr Kaltenbach
perguntou a Peter: - Como está indo na escola, Peter?
-
Estou gostando muito. Toda a parte de esporte é divertida, mas acho que é um
pouco demais. Eu não me importaria de aprender mais em sala de aula. Kaltenbach
despenteou o cabelo e disse: - Se quiser aprender mais do que estão ensinando
na escola, pode ir na biblioteca. E estou a sua disposição para conversar sobre
seus trabalhos.
Peter
perguntou a Traudl: - Você também pratica muito esportes? - Ah, pratico, disse ela. Hoquei, netball,
natação (...), tudo pela escola e estou na equipe de saltos ornamentais. O que
mais gosto de fazer é nadar. Gosto de nadar todo dia (p.60).
Peter
confessou que não sabia nadar muito bem. Ele tinha tentado dar umas braçadas
com seu pai no mar, e esse não era o lugar apropriado para aprender. – Eles não
levavam você para a piscina na cidade?, perguntou Traudl. – Não havia piscinas
em WyzsKwou ou em qualquer outro lugar próximo. Mas, não disse isso a elas, com
medo de ser zombado. Acabou mentindo: - Meus pais não gostavam de nadar.
-
A natação é o melhor exercício para uma moça, disse Frau. É o modo perfeito de
preparar o corpo para a maternidade. E virou-se para Elsbeth: - Você deveria
praticar também, mein Liebling. Elsbeth se irritou: - Eu faço exercício
suficiente com meu trabalho no correio, obrigada, Mutter. Peter sentiu um
principio de discussão. Seguiu-se um silêncio estranho. Peter falou em tom
animado: - Traudl, talvez você pudesse
me ensinar a nadar (p.61).
Isso
a agradou: - Gosto de fazer isso pela manhazinha. Você vai ter de acordar cedo.
Ele prometera que acordaria. Vários dias na semana depois da escola, Peter
começou a frequentar a Deutsches Jungvolk, o grupo mais jovem da Hitler Jugend.
As reuniões ocorriam no porão de um bar, sua localização deveria ser mantida em
segredo, mas os meninos se orgulhavam de ter decorado o local com cartazes e
bandeiras nazistas (p.62).
Na
primeira noite de Peter, eles exigiram que ele passasse por alguns testes, como
correr 60 metros em 12 segundos; arremessar uma bola a 25 metros, simulando ser
uma granada lançada numa trincheira inimiga. O teste que ele mais gostou foi o
de coragem, na qual tinha de saltar do segundo andar de um prédio, onde
escondidos lá embaixo, os meninos maiores aguardavam com uma grande lona para
pega-lo.
-
Quando fizer catorze anos, disse o líder, vai subir e ficar com os garotos
grandes da Hitler Jugend. Desde o primeiro momento ele se sentiu em casa, pois
um dos garotos de cabelos negros que aparentava a mesma idade se apresentou: -
Sou Gerhart Segur, disse com um sorriso largo. Quando você faz catorze? – Em
outubro. – O meu também é outubro, disse
Segur. Vamos subir juntos para a HJ (p.63).
As
noites ainda eram difíceis para Peter. Seguro sob os lençóis de linho fino, os
pensamentos costumavam viajar de volta até a fazendas de seus pais. Ele tentava
não pensar naquela terrível manha final. O sentimento crescente de medo em seu
peito, enquanto esperava amanhecer e a caminhar de sua casa até a estrada
principal.
Ele
se perguntava se algum dia a fazenda voltaria a ser dele? Como poderia saber,
quando deixou a fazenda que não mais voltaria? No dia seguinte, Traudl o levou
para se inscrever na biblioteca local. O bibliotecário-chefe se aproximou e lhe
indicou alguns livros da seção infantil. Pegou alguns livros de índios e
cowboys de Karl May, e disse: - Esses eram os favoritos do Fuher quando ainda
era jovem.
Peter
começou a ler Durch die weite Welt – Entrando no mundo moderno; e achou
interessante. Ele retratava o futuro com enormes aviões, trens do metrô em
forma de bala, heliportos nos tetos dos edifícios mais altos e uma enorme
avenida com seis faixas. – Tudo isso, disse Kaltenbach, é o que nos aguarda,
assim que a guerra for vencida (p.65).
Capitulo
9: Instituto Kaiser Wilhelm,
Berlim - 30 de setembro de 1941.
Kaltenbach estava
especialmente ansioso que Peter fosse a sua palestra inaugural para os novos
alunos do Instituto, sobre a ciência racial e o trabalho de seu departamento.
Quando chegou o dia, Peter e Frau se sentavam ao fundo do auditório, onde havia
alguns estudantes de medicina comuns, mas a maioria dos presentes eram rapazes
vestidos com o uniforme negro da SS. Vistos em conjunto, pensou Peter, eram um
grupo ameaçados de austeros Ubermenschen – super-homens arianos.
Peter estava
nervoso. Kaltenbach disse: - Ofereço a vocês a visão de um mundo livre de
doenças, criminalidade, pessoas antissociais, prostitutas, mendigos e
vagabundos e o bacilo da judiaria mundial.
Vocês são a infantaria desse mundo do futuro. Servidores da visão
nacional-socialista, Mas, para alcançar esse sonho, precisam rejeitar falsas
noções de humanidade. Tenho certeza de que não preciso recordar a vocês todas
as leis raciais aprovadas pelos nacional-socialistas desde que chegamos ao
poder (p. 67).
Hoje, casamentos
com probabilidade de produzir prole prejudicial a pureza do sangue alemão são
uma impossibilidade no Reich. A missão de seu departamento era revelar os
fundamentos biológicos e psicológicos da diferença humana. Ele observou
especialmente que identificar os judeus era o maior desafio da ciência racial.
Após uns quarentas minutos, ele finalizou a palestra, com o seguinte resumo: -
Em Mein Kampf, o Fuhrer escreveu: - O estado nacional precisa pôr a raça no
centro de toda a vida. Ele precisa cuidar para mantê-la pura. Deve empregar os
recursos médicos mais modernos a serviço desse conhecimento.
Nunca antes na
história da humanidade um governo esteve tão disposto a abraçar as verdades
essenciais da ciência racial. E nunca antes a ciência esteve tão disposta a
servir aos interesses do estado (igual a fala do Lula quando presidia o
Brasil). Quando nosso futuro nacional-socialista estiver assegurado, não haverá
nada que possa deter a regeneração do povo alemão e nossa criação de uma
galáxia de gênios Ubermenschen destinados a dominar o mundo, HEIL HITLER!
(p.68)
Capitulo
10: Berlim - 12 de outubro
de 1941.
Anna Reiter sempre
atraíra os olhares na rua, sempre tinha que se esquivar da atenção masculina.
Era alta, mais alta que a maioria das garotas de sua idade e magra também.
Queria ser mais baixa. Ela se destacava demais. Gostaria também de ter um corpo
mais cheio como Bette Davis, mas pelo menos ela tinha boa aparência.
Sua avó sempre
reclamava de seu cabelo negro, pois era muito curto e moderno demais. Anna
estava cansada de ouvir as pessoas a repreenderem por causa de seu cabelo. Uma
das meninas da Bund Deustscher Medil – BDM – Liga das Moças Alemãs, de nome
Gretchen, disse: - Você é morena o suficiente para ser judia. Será que não tem
judeus na família?
Outros garotos
riram e Anna teve de recorrer a insultos baratos. – E você é suja e desmazelada
o suficiente para ser uma lavadeira velha. Você não pode comprar um uniforme
apropriado? A menina tinha escarnecido (caçoado, criticado), mas também ficou
vermelha. Aquelas palavras a atingiram. Anna se odiou por dizer aquilo (p.71).
Anna se parecia
extremamente com a mãe, Ula, que era jormalista de uma revista. Seu pai, o
Coronel Otto Reiter, trabalhava no Ministério da Guerra na Bendlerstrasse. Os
Reiter, quando estavam sozinhos em torno da mesa do jantar, as chamavam de “os
cem por cento”. Ula e Otto sempre tiveram amigos judeus. Mas então Herr
Pfister, o detestável porteiro do prédio, alertou-os que a amizade com aqueles
atrairiam sobre eles a atenção da Gestapo (*). Os Reiter passaram a ser mais
cautelosos em relação a quem viam e como os viam (p.72).
A mãe de Anna lhe
contou sobre sua amiga Rachel, que fora demitida da revista em 1938. Ela era a
melhor editora de texto, mas judia, foi
transportada ou “relocada” para o leste. Recentemente, os Reiter ouviram
murmúrios dizendo que os judeus eram enviados para o leste para serem mortos.
Como as histórias
que os britânicos inventaram durante a grande guerra sobre como o Exército
Alemão juntava os corpos de seus soldados mortos e os enviaram para fazer
sabão, velas e glicerina em Kadaververwertungsanstalten – fábricas de
aproveitamento de cadáveres.
Quando o irmão de
Anna, Stefan, voltou do front oriental de licença, eles lhe perguntaram se
havia alguma verdade nessas histórias. Eles esperavam que ele desmentisse, mas
o que ele disse os encheu de revolta e repulsa (p.73).
Capitulo
11: 13 de outubro de 1941.
No décimo quarto
aniversário de Peter, o líder da Deutsches Jungvolk se aproximou dele e
anunciou que ele deveria ir a uma grande parada no dia 13 de outubro para
marcar a passagem para o grupo mais velho da Hitler-Jugend. Peter contou isso
aos Kaltenbach, quando o professor olhou para ele com orgulho, e disse: - Este
é o momento mais sagrado na vida de todo jovem alemão. Agora o momento tinha
chegado e Peter e seus camaradas estavam cantando a plenos pulmões:
O Reich, com nosso
Fuher supremo no comando,
Segue em sua
cruzada implacável,
Venha e siga-nos,
rapaz, você é alemão e orgulhoso
Soam os tambores,
tremulam os estandartes.
Havia algo sobre
cantar juntos ao ar livre que deixava os rapazes eufóricos. Peter tinha sentido
algo similar nas vezes em que fora á igreja no Natal com seus pais. Era um
pouco parecido, mas com centenas de vozes em vez do pequeno grupo da
congregação.
Quando a música
terminou, um grande silêncio desceu sobre os cerca de mil meninos reunidos no
campo esportivo junto da Potsdamer Strasse. As arquibancadas ao lado do campo
estavam repletas de pais e parentes (p74).
- Tropa; descansar!
O comando veio como um rangido metálico pelos alto-falantes. O
Reichs-jugend-fuhrer logo estará entre nós. Os rapazes tiveram permissão para
se sentar na grama seca e conversar entre eles. Peter estava com Gerhart Segur.
- Pena que Adi não veio, disse Segur. Os
rapazes tinham apelidos para todos os lideres nazistas. Dizia-se que Adolf
Hitler tinha afeição particular pela juventude alemã, por isso parecia
apropriado que os rapazes o chamavam de “Adi”. Outro comando fez com que os
garotos ficassem de pé: - Atteeeenção! Berrou um oficial nazista no palanque.
Os trompetes tocaram outra fanfarra e os tambores soaram: - Diretia; Volver!
(...), um Opel
Kapitan conversível acompanhado de oito batedores em motocicletas entrou no
estádio. Lá estava ele, Axmann em
pessoa. De pé sobre o banco traseiro do carro. A mão direita estendida
na saudação nazista. O carro e seu séquito
fizeram a volta em torno deles pela pista de corrida que circundava o
campo, indo em direção ao palanque (p.76).
Peter se sentia
privilegiado por ver Axmann. Sua foto costumava aparecer na revista e jornais
da HJ. Era uma emoção ver um dos lideres da Alemanha em carne e osso. Axmann se
aproximou dos microfones e, por fim, falou: - HEIL HITLER! O estádio inteiro
trovejou em resposta. – Camaradas! Cada um de vocês representa, para nossa
pátria mãe em marcha, o símbolo do nosso futuro. Lembre-se que a terra está em
estado de constante evolução. Transformações biológicas e psicológicas estão
acontecendo diante de nossos olhos.
- O dever de nossos
professores é transforma-los nos Senhores e dirigentes do amanhã! Em troca,
pedimos sua submissão fiel à disciplina imposta e que obedeçam as ordens
recebidas, quaisquer que sejam elas! HEIL HITLER!
Agora vinha o
momento mais importante da cerimônia, o juramento de lealdade: - Juro que
servirei fielmente ao Fuhrer Adolf Hitler. Os garotos repetiam cheios de
confiança. Peter sentiu o coração se encher de orgulho.
- Juro obediência
ao líder da Hitler-Jugend e a todos os lideres da Hitler Jugend.
- Juro sobre nossa
Sagrada Bandeira que sempre serei merecedor delas. Valei-me, Deus!
Peter agora era um
deles, nunca sentira os pelos da nuca se arrepiarem. Nunca sentira aquilo na
igreja (p.78). Após a cerimônia, os meninos se dispersaram para cumprimentar
seus parentes. Hertz agarrou Peter pelo braço: - Onde está Segur? Que droga
estava acontecendo durante o discurso do Reichs-jugend-fuher? Peter também
estava aborrecido com Segur, mas não o trairia.
Ele olhou para o
líder do esquadrão direto nos olhos, e disse com sinceridade: - Desculpe,
Hertz. Acho que Segur ficou emocionado demais com esse grande momento na vida
dele. - Está bem, disse ele. Mas pode dizer ao seu amigo que estou de olho
nele. E em você. Se eu tiver algum motivo para duvidar de seu espírito
nacional-socialista, vou adorar contar
suas fraquezas a Gestapo.
Peter se sentia
orgulhoso de estar na Hitler Jugend, pois agora era membro pleno e tinha
ganhado uma adaga cerimonial. Sentia seu peso no cinto. A textura do cabo negro
com o emblema da suástica perfeitamente equilibrado com a lamina de aço
reluzente (p79).
No cabo, em letras
góticas, estava escrito: - Treve Bis in den Tod – Fiel até a morte. E na
lâmina, Blut und Ehre – sangue e honra. E essa lâmina era afiada. Enquanto
caminhava para arquibancada para encontrar com os Kaltenbach, ele esperava ser
capaz de viver segundo esse ideal. Eles o cumprimentaram com abraços
carinhosos, até Frau Kaltenbach.
- Peter, você está
o soldado político perfeito, disse ela com orgulho. Traudl e Charlotte estavam
loucas para ver a sua adaga nova, apesar de sua mãe ter dito que ela não devia
ser sacada da bainha. Só Elsbeth estava faltando, pois estava trabalhando no
correio. Peter sentiu uma pontada de desapontamento.
Capitulo
12: novembro de 1941.
Tornou-se comum as famílias se
reunirem em torno do rádio para ouvir as notícias da guerra, ou seja, os avanços
das tropas alemãs. Numa dessas
noites, foi anunciado o sucesso no leste a medida que o exército alemão
penetrou na Rússia Soviética. Nesta empreitada, conquistaram a Bielo-Rússia,
Ucrânia, as grandes cidades de Odessa, Kiev, Smolensk e Novgorod. Por fim, os
soldados alemães tinham cercado Leningrado próximo aos portões de Moscou
(p.80).
Não era diferente com a família dos
Kaltenbach. Peter gostava de ver a alegria e o entusiasmo em seus rostos. –
Será que houve época melhor para se viver? Disse o professor Kaltenbach. O
Fuher disse que tínhamos apenas que derrubar a porta para toda a estrutura
podre desmoronar. Bem, até aqui, ele estava certo em tudo.
A excitação dos rapazes do esquadrão
de Peter era contagiante. Cada um deles se via como um futuro senhor medieval
(...), com seu exército de servos eslavos[5]
para obedecer suas ordens. Peter contou aos amigos que tinha sua própria
fazenda na Polônia e que ficaria bem satisfeito com ela. – Por que ser uma
ovelha quando se pode ser um lobo? disse Fassbinder. Em Ostland, você pode ter
terras que vão desde um lado a outro do horizonte (p.81).
Lothar Fleischer, de cabelos
escuros, estava escutando a conversa, e disse: - Bruck não conseguiria cuidar
nem de uma barraquinha de salsichas, muito menos de uma fazenda. Se você cresce
entre polacos, acaba pegando seus modos preguiçosos. Segur interveio
imediatamente. – Peter é nosso camarada racial, Fleischer, e aqui ninguém
duvida disso.
Ele olhou diretamente para Peter e
disse: - Não me importa o que dizem, você ainda é um Auslander. Peter sentiu a
raiva crescer por dentro e uma briga era iminente. Walter Hertz, líder do
esquadrão, interveio. – Vamos acabar com essa conversa de Auslander, Fleischer,
pois Peter Bruck é um de nós. É um bom ajudante, trabalhador e nunca reclama.
Tenho orgulho de tê-lo no meu esquadrão. Se quiser lutar, vocês podem fazer
isso no ringue de boxe (p.81).
Peter podia sentir que Fleischer
tinha um sentimento de superioridade ante aos demais garotos do grupo. Seu pai
era oficial superior da SS no Governo Geral, e ele gabava-se disso. Peter em
suas fantasias, queria ser piloto da Luftwaffe. Ele queria pilotar um belo caça
como o Focke-Wulf FW 190, conhecido como “o Pássaro Açougueiro”.
Havia algo glamoroso em ser um
piloto de caça. Você passava a vida no conforto das bases aéreas, bem longe da
linha de frente. Subia aos céus como uma ave de rapina. O professor Kaltenbach
adorou saber que Peter queria ser piloto (p.82).
- Posso ver você no seu uniforme da
Luftwaffe, disse ele. Sabia que nossos pilotos de caça destruíram quatro mil
aviões de combate soviético na primeira semana de guerra? Quatro mil! Peter e
Segur tinham orgulho de estar na Hitler-Jugend e ficavam empolgados com cada
vitória alemã. Segur não era um daqueles malucos, que pareciam pensar que a
melhor coisa que pudessem fazer era morrer pelo Fuher.
Quando caminhavam juntos de volta
para casa, Segur ficava com aquela expressão maliciosa no rosto e dizia: -
Quanto mais cedo a guerra acabar melhor. Se tivermos que lutar, lutaremos. Isso
não me incomoda. Na escola e nas reuniões da Hitler-Jugend, seus professores
costumavam lembra-los de que era seu dever informar sobre qualquer pessoa –
mesmo que fossem seus pais, que não demonstravam o espírito nacional-socialista
apropriado (p.84).
Peter tinha ouvido falar de
Sachsenhausen. Era um segredo em Berlim. Um campo de concentração bem próximo
da capital. Peter disse a Segur que queria entrar para a Luftwaffe: - Todo o
glamour, sem sofrimento, disse Segur. – Como é sua navegação? Pilotos precisam
ser bons em cálculos e conhecer todas as relações entre combustível e carga
explosivas.
- Não sou muito bom com números,
disse Peter. Então, todas as noites após as aulas, Peter e Segur se dirigiam
para a biblioteca e se debruçavam sobre os livros de matemática. Certa noite,
Segur leu uma questão aleatoriamente para Peter:
Um
Stuka na decolagem leva doze bombas, cada uma pesando 10 Kg. O avião se dirige
para Varsóvia, centro da judiaria internacional. Ele bombardeia a cidade. Na
decolagem, com todas as bombas a bordo e um tanque contendo 1.500 Kg de
combustível, o avião pesa 8 toneladas. Quando retorna da missão, há ainda 230
Kg de combustível no tanque. Qual o peso do avião vazio?
Peter não
gostou de ouvir Segur falar da Polônia daquele jeito. Segur percebeu a
expressão em seu rosto, e disse: - Desculpe, agora não penso em você como um
polaco. Achei que era um de nós.
Capitulo 13: Participação do Esquadrão
no Torneio de Boxe.
O esquadrão da Hitler-Jugend
participaria de um torneio de boxe. Havia antecipadamente um sorteio para saber
sobre os adversários. Nenhuma luta era aguardada com mais entusiasmo que o
confronto entre Peter Bruck e Lothar Fleischer. Este era conhecido como
Westich, de cabelos escuros, sobrancelhas grossas e escuras, sobre uma testa
pronunciada e de rosto oval (p.86).
Fleischer gostaria de se parecer com
um Nordish, pois era o mais próximo do ideal ariano. E ninguém era mais
invejado que Peter Bruck. Fleischer pensava: Como alguém pode ter tanta sorte?
Além do mais, Peter era alto, enquanto ele era de estatura mediana, embora
fosse mais forte. A luta entre eles estava prevista para ser a ultima do
torneio. Fleischer começou bem com alguns socos fortes, mas Peter os encaixou
bem.
Peter passou sua vida inteira
trabalhando na fazenda do pai, onde carregava carrinhos cheios de forragem para
as vacas e fardos pesados de feno e, ainda, ceifava a lavoura. Fleischer
acertou mais uns dois golpes na face direita de Peter, mas isso só o animou a
lutar com mais força. Ele prendeu o braço de Fleischer e socou o lado de sua
cabeça até espirrar sangue em suas luvas de couro (p.87).
Fleischer caiu ao chão e Peter
aproveitou uma distração do juiz, para dar um chute nele enquanto estava caído.
Aquilo era sua forra, por todos os insultos e ofensas. Peter foi declarado o
vencedor da luta. Ele sentiu uma alegria selvagem pela vitória, mas depois
ficou perturbado por ter obtido tanto prazer em espancar outro garoto daquele
jeito.
Com raiva, Fleischer saiu falando
sobre os polacos que viviam perto da estação que fora bombardeada. – Há um
bando deles lá perto da estação de U-Bahna de Gleisdreieck, onde ficam limpando
o lugar que foi bombardeado. Dizem que todos os gatos daquela região sumiram,
pois eles os pegam, tiram a pele e comem. E saem a noite para matar as
velhinhas e roubar seus cartões de racionamento. Peter ficou intrigado com
aqueles comentários e se eles tinham fundamentos.
Toda a noite ficava pensando
naquelas palavras de Fleischer. Sabia da decepção da família Kaltenbach se
soubessem que estava querendo ir verificar se era verdade o que ele disse. Ele
ficou atormentado com os pensamentos sobre aquele lugar. Gleisdreieck ficava a
meia hora de caminhada de Wittenbergplatz, e em lá chegando, Peter avistou
grupos de homens e meninos magros e em farrapos (p.88).
Eles jogavam entulhos em carrinhos
de mão, estando totalmente encharcados pela garoa que caia naquela noite. Dois
soldados com rifles os vigiavam. Peter viu um garoto sozinho, trabalhando bem
afastado dos soldados, quando resolveu se aproximar. Era um pouco mais velho do que ele, e parecia
totalmente exausto.
Tinha uma padaria ali próximo, onde
Peter comprou pão e queijo. Com cuidado, aproximou-se por entre os carros e os
ofereceu ao garoto. – Vou jogar o pão. – Obrigado, disse o garoto. As vezes, os
garotos alemães dizem que vão jogar comida, mas jogam sacolas de papel cheias
de cocô de cachorro. – Eu vou voltar, disse ele. Qual o seu nome?
- Wladek,
disse o rapaz.
Certa noite Peter voltou e viu
Wladek com um rapaz mais velho. Eles o convidaram para se aproximar. Antes que
pudesse perceber, o rapaz o agarrou e o arrastou para próximo de um portão
velho. Botou uma colher de pedreiro contra sua garganta, e disse: - Me dê seu
cartão de racionamento. – Não o machuque, disse Wladek. Você prometeu que não o
machucaria.
- Eu não tenho cartão de
racionamento, disse Peter. – Então dinheiro, disse o rapaz. Reviste ele Wladek.
Ele estava cheio de vergonha e fazia o possível para não chorar. – Desculpe,
disse com voz tremula.
- Agora Adolfki, disse Antos, e diga
por que eu não devo te matar? – Por que posso ajudar você coo tenho ajudado o
Wladek. – Você fala bem polonês para um Adolfki, disse Antos.Vá e volte com
comida amanhã ou vou machucar seu amigo aqui. Enquanto Peter subia as escadas,
disse: - Ei, Adolfki, aproveite a guerra, porque a paz vai ser terrível.
Peter achou melhor não procurar mais
Wladek, nem voltar no local do bombardeio, mas decidiu que iria continuar a
ajudar os Ostarbeiten, sempre que pudesse.
Capitulo 14: Dezembro de 1941.
Os Kaltenbach acordaram na manhã de
8 de dezembro com notícias extraordinárias. O Japão, aliado da Alemanha, havia
destruído metade da frente americana em Pearl Harbor. – O Fuhrer escolheu bem
nossos aliados, disse o professor. Os americanos receberam um golpe mortal.
Isso vai fazê-los pensar duas vezes se estiverem considerando se juntar aos
britânicos contra nós (...).
Os garotos do esquadrão da HJ
pareciam bem orgulhosos e satisfeitos com a notícia, mas logo se distraíram com
a exibição das meninas da Bund Deutsche Madel, no ginásio esportivo em
Charlottemberg (p.93). Uma garota alta e de cabelos negros em especial chamou a
atenção deles. Peter também a notou. – Quem é ela? Perguntou a Segur. – Anna
Reiter, respondeu ele. – Ela é a líder do esquadrão da BDM e mora perto de
você.
O pai é coronel do ministério e a
mãe é jornalista da revista feminina Frauenwarte. – Pode parar de babar, Bruck.
Anna Reiter é boa demais para gente como você, disse Fleischer. Peter não ia
cair na provocação, mas respondeu: - Ela é um pouco alta para você, não é,
Fleischer? – Zombou Peter.
Peter tornou a ver Anna do lado de
fora do ginásio, quando a exibição de ginastica havia terminado. Os garotos da
HJ faziam comentários maliciosos sobre ela, mas ela os tratava como fossem um
bando de corvos cujo crocitar[6]
nada significavam para ela. Peter gostou de ver como ela demonstrava estar
acima deles. Três dias depois, a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos. O
professor Kaltenbach ouviu a notícia com um sorriso de satisfação (p.94).
- (...) eles não serão pareo para o
Terceiro Reich. Vou fazer uma previsão: Quando acabarmos com os russos, os
ianques e os ingleses vão implorar pela paz. Peter e seus colegas da escola
continuavam convencidos de que a guerra logo acabaria. A terceira semana de
dezembro trouxe neve pesada. Em Wyszkow, Peter sempre detestava sair da cama
quando o tempo estava desse jeito, pois ficava muito difícil para cuidar da
fazenda e dos animais com a neve.
Na véspera de Natal, Traudl e
Charlotte insistiram para que Peter saísse com elas e suas amigas da BDM, para
cantar as canções natalinas. Uma das meninas mais velhas trouxe uma nova versão
da canção Noite Feliz:
Noite feliz,
noite feliz,
Eis que no ar, vem cantar
Adolf Hitler ergueu o país
Ouçam bem o que o Fuhrer diz ...
Peter ficou
incomodado e chegou a conclusão de que Fleischer tinha razão. Ele sempre seria
um Auslander – forasteiro, como essas pessoas. Alguma coisa nele não podia
aceitar a adoração inquestionável, essa perturbadora fé cega que tinham em
Hitler e nos Nazistas. Ele queria acreditar no que seus pais diziam “de que a
Alemanha era sempre um lugar melhor” (p.96).
Ele queria
desesperadamente acreditar nisso, e ainda queria ser parte da família
Kaltenbach. E o que aconteceria se os rejeitassem? Será que seria mandado de
volta para a Polônia ou eles o enviariam para um dos campos de concentração dos
quais ouviu falar? Enquanto eles estavam fora, os Kaltenbach montaram uma
arvore de natal com vários enfeites e presentes.
Entre esses enfeites havia várias suásticas de
plástico penduradas na arvore. Todos sentaram a mesa grande da sala de jantar,
com suas velas, louças e talheres cuidadosamente arrumados pela senhora Frau
Kaltenbach. Elsbeth perguntou o que eles dariam de presente de natal a empregada
da casa. Liese Kaltenbach rapidamente respondeu: - uma tarde de folga. Isso
deve ser suficiente.
- O que acham de
dar um chocolatezinho?, disse Elsbeth. Liese interveio com rispidez: - Bondade
não é algo que devemos mostrar aos Untermenschen[7]. Ouça
um conselho de sua mãe: - Criadas devem ser tratadas como cães. É preciso
fazê-los sentir que você é quem manda. Elsbeth ouviu o conselho sem concordar
ou discordar de sua mãe. Peter ficou intrigado, pois nunca sabia direito o que
ela ia fazer ou dizer em seguida (p. 97-98).
Capítulo
15: Fevereiro de 1942.
Naquele
inverno, o esquadrão da HJ de Peter estava fazendo uma coleta noturna para o
fundo de assistência de inverno num prédio de vários apartamentos na
Geisbergstrasse. A maioria dos outros garotos já haviam terminado suas rondas e
ido para casa. Peter ainda tinha três andares para percorrer.
De
repente ele ouviu uma confusão lá embaixo, quando avistou um grupo de garotos
da HJ que não reconheceu, espancando um menino com roupas toda esfarrapada. Tomado
pelo impulso e sem pensar nas consequências, pegou um saco cheio de lixo e
jogou sobre eles.
Ele
ficou observando quando o saco explodiu sobre suas cabeças e depois saiu
correndo para se esconder. Ele bateu na primeira porta do apartamento seguinte.
Uma senhora de idade o atendeu. – A cumprimentou e disse que estava recolhendo
donativos para a campanha de assistência de inverno. Ela o convidou a entrar.
Peter
ficou aproximadamente uma meia hora conversando com ela. Muitas pessoas de
idade moravam sozinhas e gostavam quando aparecia alguém para conversar. Ela
ficou desapontada quando ele disse que teria de ir embora. Os garotos da HJ
ainda estavam lá e enfurecidos: - Desculpe, camarada, disse um deles. Você viu
alguma coisa suspeita por aqui? Há meia hora fomos atacados por um amigo de
judeus covardes. – Estava visitando minha avó, disse Peter. Obrigado por me
avisar. Tenho uma faca bem afiada para me defender (p.102).
Dias
mais tarde, quando voltava da escola para casa, Peter resolveu passar na biblioteca,
o que costumava fazer todos os dias. Nesse dia, quando se dirigiu para seu
canto preferido, percebeu que ele já estava ocupado. Por uma brecha viu que uma
menina estava sentada á mesa detrás da estante onde ele costumava estudar.
Era
um lugar bem silencioso, bom para se estudar. Ele reconheceu que era Anna
Reiter, a garota bonita de cabelos escuros que vira pela primeira vez na
exibição de ginástica. Ela segurava um livro com uma foto de Hitler na contra
capa (p.103). Depois que saiu da biblioteca para ir para casa, começou a andar
na rua e observou que a poucos metros a sua frente estava ela.
Apertou
os passos e a alcançou. – Você é o garoto polonês, não é? Disse ela, sem som
amigável ou hostil. Você vive com os Kaltenbach? – Sim. Perto de você. Meu nome
é Peter Bruck. Posso caminhar com você até sua casa? É uma noite escura, você
nunca sabe quem pode estar escondido na esquina. Ela riu. – O Fuhrer tornou
nossas ruas mais seguras, isso é certo.
Eles
começaram uma conversa vacilante. Um homem passou com um grande cão alsaciano.
– Como o Fuhrer gosta de sus cães? Observou ela de modo indiferente. Um
pensamento rebelde passou pela cabeça de Peter. – Claro que gosta de seus cães,
eles obedecem cegamente, disse ele (p.104).
Ela
permaneceu em silêncio, e disse: - estamos tendo uma conversa muito perigosa,
mestre Bruck. Tenho certeza que o professor Kaltenbach não aprovaria esse livre
pensar tão temerário. Ele ficaria extremamente decepcionado, disse ele. Eles
permaneceram calados por uma boa parte do caminho. Quando chegaram ao prédio de
Anna, ela disse: - obrigada por me acompanhar até em casa. Foi uma conversa
muito interessante. Precisamos conversar de novo outro dia. Ao chegar a porta
de seu próprio apartamento, Peter se sentia como se estivesse caminhado nas
nuvens.
Capítulo
16: Abril de 1942.
Depois
disso, Anna e Peter se encontraram outras vezes. Eles costumavam estudar juntos
na biblioteca e depois iam juntos para suas casas. O professor Kaltenbach
aprovava. Anna começou a se ajuntar com ele em sua mesa de estudo e trabalho.
Era estudiosa, com certeza não se sentava ali para apenas conversar.
Quando
escurecia eles caminhavam juntos para suas casas. Eles conversavam sobre os
amigos que ambos conheciam e, as vezes, sussurravam sobre os deveres de casa. No inicio de abril, Anna o convidou
para tomar um café em sua casa, numa terça-feira. Peter sabia que seu pai –
coronel Reiter, não estaria em casa, pois teria que levar um relatório ao
quartel general do Fuhrer na Prússia Oriental. A senhora Frau Reiter estaria
cobrindo uma matéria jornalística em Ordensburgen.
Peter
estava nervoso, será que ela esperava que ele a beijasse? O dia chegou. Peter
foi com um ramo de flores do campo e dois bolinhos de creme. Anna apressou-se
para fazê-lo entrar, sem que os vizinhos vissem. Lá estava ela, de pé junto da
janela e com o avental branco sobre o vestido azul. Estava virando bifes a
milanesa com uma espátula (p.106-7).
Depois
de comerem, eles se sentaram nas poltronas da sala de estar e beberam café, um de
frente para o outro. – vamos escutar rádio? disse Anna. Vou ver se encontro uma
música boa. Ela se aproximou e sentou-se no braço da poltrona dele e disse em
voz baixa: - você alguma vez ouviu a BBC? Peter ficou chocado com sua ousadia,
mas ficou entusiasmado pela confiança nele.
-
Kaltenbach me jogaria na Prinz-Albrecht-Strasse antes que eu soubesse o que
tinha me atingido, disse ele. Por que, você já escutou? – Vamos, disse Anna.
Peter agora estava ansioso. – Mas, e se os vizinhos escutarem pelas paredes?
Tenho certeza que algum deles iria entrega-la (p.108).
Vamos
colocar o volume bem baixo e ouvir embaixo de um cobertor, disse Anna. Murti e
Vati fazem isso. Anna pegou um cobertor na cama e encolheram juntos debaixo
dele e giraram o dial. Ela sabia exatamente o ponto onde encontra-la. Achar o
dial foi fácil, o difícil foi acertar o volume do rádio.
Ou
era baixo demais para que pudessem ouvir direito, ou alto demais, onde os vizinhos poderiam ouvir. O sinal também era
constantemente bloqueado com um zumbido bem alto para dificultar a compreensão
do que era dito. Porque a BBC iria fazer isso?, disse Peter. Ela deu um tapa em
sua cabeça, segurou-o pelos ombros e disse: - Não são eles, dummkopf (besta),riu ela. São os nossos
que fazem isso.
Por
fim, com muito ruído, conseguiram ouvir quase no final o programa musical Aus
der Freien Welt – Do Mundo Livre, que tocava swing e jazz quente. Músicas que
foram banidas da Alemanha, porque a maioria das pessoas que as tocavam eram
negras ou judias. O locutor britânico Lindley Fraser, anunciou que as tropas
americanas estavam chegando em grande número na Grã-Bretanha (p.109).
Isso
surpreendeu Peter. Os dois escutavam em silêncio. Era extraordinário ouvir a
opinião de outra pessoa sobre o que estava acontecendo no mundo. Dias depois,
Anna o apresentou aos seus pais, quando o convidou para jantar em sua casa. O
coronel Otto Reiter era um homem grande e impotente, com olhar duro e modos
bruscos.
A
senhora Ula Reiter era bonita e elegante, com uma postura de autoconfiança.
Sentados a mesa de jantar, o coronel percebeu que eles (Anna e Peter) falavam
abertamente sobre a guerra, mas nada que pudessem comprometê-los. Peter
perguntou a eles sobre seu filho, Stefan, como estava se saindo em Ostland? Otto respondeu: - Me preocupo com Stefan
todos os dias. Fez uma pausa, e disse: Napoleão invadiu a Rússia há 123 anos,
quase o dia exato em que fizemos o mesmo (p.110).
Ele
chegou até a tomar Moscou. Talvez consigamos isso também em algum momento. Mas,
depois disso, quem pode saber o que vai acontecer (...). Agora, quanto Peter se
sentava a mesa com os Kaltenbach, desejava poder falar mais abertamente com
eles. Ouvir a BBC tornou-se um segredo guardado por Anna e Ele. – É melhor não
fazermos isso com muita frequência, disse Anna.
Apesar
de as notícias serem o mais importante, os dois gostavam de ouvir comédias que
a BBC botava em suas programações no idioma alemão. Peter gostava do modo como
os locutores sempre falavam de maneira mais fácil e clara. Isso tornava o que
eles diziam muito mais fácil de acreditar. Era inteligente também, usar um
britânico que falava alemão em vez de um exilado alemão. As pessoas não
gostavam de traidores. Em uma das notícias, dizia que o Exército Alemão
penetrava profundamente na Rússia Soviética. O general Rommel, a raposa do
deserto, como era chamado, e seu Afrika-Korps estavam lutando com grande
sucesso contra os britânicos no norte da África.
Ao
ouvir essas notícias anunciadas pelo locutor britânico, dava maior
credibilidade ao resto do que eles diziam. Peter tinha sentimentos
profundamente confusos quando ouvia a BBC. Gostava do modo como as rádios
alemãs o faziam sentir que a guerra estava perto do fim. Desse modo, podia
imaginar que eles e os garotos da HJ, improvavelmente seriam convocados para
lutar. Mas a BBC o fazia sentir que aquilo era inevitável. Especialmente com
todos aqueles americanos desembarcando na Grâ-Bretanha (p.111-112).
Capítulo
17: Setembro de 1942.
Quando
a primavera se transformou em verão em 1942, a guerra ainda caminhava favorável
para a Alemanha. Peter e Anna continuaram a se encontrar sempre que podiam.
Anna estava jantando com os Kaltenbach certa noite, no inicio do outono, quando
o professor começou a falar sobre uma notícia que acabara de ler anunciando que
um grupo de jovens foi preso num salão de baile em Berlim.
-
Juventude do swing, é como eles são chamados. Os rapazes, umas maricas, usam
cabelos compridos e paletós e echarpes de cores berrantes (...), e as garotas
usam o cabelo solto e pintam o rosto. As jezebéis. A Gestapo[8] e
os esquadrões da Hitler-Jugend estão todos atrás deles.
E
continuou ele: - que cultura terrível os ianques inventaram naquela nação
repulsiva deles. É isso que acontece quando se mistura as raças com tanta
negligência. E o pior de tudo é a dança. É simplesmente degenerada. Anna falou:
- Eles devem ser franceses ou russos, disse ela com expressão séria e
interessada. Tenho certeza de que rapazes e moças alemãs não se comportariam
assim.
Kaltenbach
prosseguia exprimindo toda sua aversão: - Alguns deles tem entre 14 e 15 anos.
Disse Anna, é quase inacreditável que alguns de nossos jovens, todos criados no
espírito nacional-socialismo, tenha sido atraídos por um comportamento tão
antialemão. Não consigo imaginar ninguém que eu conheça se comportando desse
jeito.
Peter
estava perdido de admiração pela performance
de Anna. Quando a levou para casa dela, ela disse: - Mutti me contou sobre essa
juventude na semana passada. Eu disse a ela que parecia fantástico. Disse que
pelo que tinha ouvido falar, eles não estavam rejeitando nada, somente gostavam
de se divertir. Eles tem pais com boa situação iguais a gente. Só querem se
esquecer da guerra (p.114-115).
Quando
voltavam para casa juntos, permaneceram bom tempo em silêncio. De repente, Anna
riu e puxou o braço de Peter para mais perto dela. – Não seria bom ser livre
para ir a um baile desses? No dia seguinte, Peter encontrou Segur na escola e
contou a ele sobre aquilo. – Parece totalmente nojento, disse Segur. Dias mais
tarde, Segur contou a Peter que conhecia uma pessoa, um garoto de nome Dieter,
que frequentava um café no Bulowstrasse. Lá havia rapazes e moças que se pareciam com aqueles descritos pelos
jornais.
São
garotos do swing, não é? Dieter falou que eles se cumprimentam com “Swing Heil”!
– Vamos lá? disse Peter. Vou chamar Anna. Ela concordou com relutância. –
Parece legal, mas imagina se somos presos. Os três foram lá na semana seguinte.
Disseram aos pais que iriam numa reunião da Assistência de Inverno. O lugar se
chama Café Lebensart e servia uma boa seleção de doces e café. Nada de cerveja
ou vinho. Na parte de cima da porta, tinha uma placa que dizia: “A Saudação
Alemã é Heil Hitler!”.
Peter
bateu, mas sem esperar ser ouvido. Um homem de idade abriu a porta para eles e
indicou um lugar para que sentassem. Um gramofone atrás do balcão começou a
tocar uma música excitante. Era muito parecida com aquelas tocada no rádio pela
BBC, mas sem os chiados e ruídos. Elas eram tocadas mais rápidas e com duas
vezes mais paixão.
-
Então, o que é isso que estamos ouvindo? Disse Peter. É a Banda Marcial da
Hitler-Jugend de Munique, disse Bernardo, o italiano dono do bar. Um rapaz que
estava atrás deles, disse: - Benny Goodman. Ele é bárbaro! Eles pediram seus
cafés e bolos, e ficaram ali sentados apreciando a sensação de fazer algo
proibido. Eles se tornaram rostos familiares naquele local (p.116).
Uma
amiga de Anna a chamou num canto e disse que eles estavam organizando um baile
no porão do Café Berta, lá em Hackescher Markt. Peter e Anna saíram
furtivamente de casa, usando sobretudos por cima das roupas coloridas que
puderam encontrar e foram até o café numa ruazinha lateral onde aconteceria a
festa. O Café Berta precisava de uma pintura e as mesas estavam sebosas. Eles
começaram a conversar com um rapaz que usava o cabelo comprido na frente,
jogado sobre os olhos. – Sou Karl. A festa vai ser no porão, estamos esperando
alguns de nós para começarmos (p.117-118).
Peter
esperava ver um ou dois rostos familiares do Café Lebensart, mas não havia ninguém
que ele conhecesse. Anna e Segur disseram a mesma coisa. – Somos uma espécie
rara, disse Segur. Foi então que Peter se deu conta de como Anna tinha razão em
não trazer outra pessoa. Não havia ninguém, além de Segur, em quem eles
tivessem a certeza de que podiam confiar.
O
porão estava coberto de teias de aranha e poeira. Alguém prendera um cartaz de
filme americano que mostrava um casal jovem e bonito se beijando em frente a
uma montagem de dança frenética e uma grande garrafa de gim. – Isso é uma grande
bobagem, disse Anna. Eu gostaria de saber o que significa. – Significa tomar
uma dose disso, disse seu novo amigo, Karl, que tinha levado escondida uma
garrafa de gim.
Todos
tomaram um gole e aos poucos foram se sentindo menos nervosos. Uma vitrola no
canto tocava discos de jazz de 78 rotações. – Não está alto demais? Disse Anna.
– Ninguém nunca vai ouvir isso aqui embaixo, disse Karl. Eles ouviram Duke
Ellington, Benny Goodman, Louis Armstrong (...). Era muito excitante ouvir
musica alta daquele jeito. Casais começaram a fazer danças maravilhosas. – Isso
é o jitterbug ou o boogie-woogie? Perguntou Anna a Peter, enquanto os casais
dançavam na pista. No canto, um casal se beijava apaixonadamente. Peter não
sabia para onde olhar.
Então
Anna o agarrou pela nuca e eles também se beijaram, bem ali no meio da pista de
dança. Peter corou, mas ninguém pareceu notar ou se importar. Segur tinha
encontrado uma menina com quem conversar. Sentaram-se junto de Segur e da
garota que ele apresentou como Lotte. Logo outro rapaz se juntou a eles. –
Swing Heil! Disse ele para todos, com um gesto exagerado de saudação nazista.
Esse é Ralfie, disse Lotte.
Ele
já arrumou muito problema. – Eu e meus amigos gostamos de perturbar a HJ,
esvaziamos os pneus de suas bicicletas. Quebramos suas sedes. Pintamos umas
palavras nas paredes! Mais tarde, eu e o Johann vamos ver o que podemos
aprontar por ai. Quer ir? – Anna balançou a cabeça e concordou. Peter não
estava bem certo. Não tinha bebido tanto gim quanto ela. A música parou. As
pessoas se viraram e olharam para a vitrola. – Patrulha da HJ, sussurrou o
garoto que a desligara. Ele olhou para a porta branco de medo (p.120-121).
Capitulo
18: Patrulha da
Hitler-Jugend no Baile.
A
porta do porão estava trancada e alguém gritava e batia nela com raiva. Um dos
organizadores da festa então falou para eles em voz baixa e com urgência. –
Existe uma saída pelos fundos que dá na Gross Hamburger Strasse. Por aqui.
Depressa! Todos foram atrás dele, mas tinham que subir uma escada estreita que
dava para um quintal iluminado pela rua brilhante. As suas costa podiam ouvir o
barulho de madeira se quebrando, mesas e cadeiras e gritos.
Os
que tinham sido pegos no fim da fila da fuga estavam lutando. Algumas garotas
gritavam. – Lá fora tinha um muro com arame farpado. – É o muro ou nada, disse
Peter. Era alto demais para subir sem ajuda. Ele segurou o arame e deu um
puxão, estava tão velho e enferrujado que se partir. Atrás dele, a briga se
aproximava. A distância, começou a soar uma sirene de polícia.
Ele
ajudou Anna a pular o muro, mas com muita dificuldade pela disputa entre eles.
Ele e outro garoto entraram em luta para tentar pular o muro. – Pare seu
idiota, berrou Peter. Brigue com eles, não com a gente. A patrulha da HJ tinha
aberto caminho até onde eles estavam, e todo o quintal estava tomado por punhos
e botas voando. Uma pessoa de uniforme preto agarrou o garoto que estava
brigando com Peter, o que deu a ele um momento para usar um latão de lixo e
saltar por cima do muro.
Anna
e Peter deram-se os braços e caminharam na direção da estação do S-Bahn o mais
distraidamente possível. – O que aconteceu com Segur? Disse Peter, assustado de
repente. Anna ficou paralisada. – Eu não o vi fugir. Você acha que ele contaria
que nós estávamos aqui? Peter disse ter certeza de que Segur não iria trai-los.
Eram oito horas. O toque de recolher para os jovens começava as nove, mas eles
estavam excitados demais para ir para casa (p.122-125).
-
Vamos voltar a pé, disse Peter, não vou conseguir dormir depois disso. – Eu
queria saber o que vai acontecer com os que foram pegos, disse Anna. Acho que
serão levados para a Prinz-Albrecht-Strasse. A Gestapo deve estar muito
interessada em descobrir mais sobre eles e seus amigos. Anna disse que
antigamente você ia lá para ter aulas de modelo vivo e aprender a usar tinta a
óleo ou carvão. Agora você vai para ser torturado. É isso o que se considera
progresso hoje em dia.
Quando
chegaram na praça da Ópera, em frente da Universidade Friedrich Wilhelm, Anna
disse: - Foi aqui que eles incendiaram a biblioteca da universidade. Tudo o que
encontraram escrito por judeus, russos e poloneses foi para a fogueira. Dostoievski,
Marie Curie, Freud (...), ciência literatura, tudo. Mas é como disse o Fuhrer:
“Se a ciência não pode ficar sem os judeus, então nós teremos de ficar sem
ciência por alguns anos”. Tudo faz pleno sentido para mim (p.126).
Esta
cidade é tão bonita, disse para Peter, apertando-o com seu braço. – Que vergonha para todos nós ter de
dividi-la com esses lunáticos. Os nazistas acabaram com toda diversão da vida.
O que podemos almejar? Não sei como a guerra vai acabar, mas pode não ser fácil
para a Alemanha. Peter ficou preocupado ao ver Anna assim tão triste. - - Quem
sabe? Talvez você esteja enganada, disse Peter e a beijou na têmpora. – Mas
isso é o mais terrível, disse Anna. E se eu estiver errada e os nazistas
vencerem, então que esperança vai restar para o mundo? (p.127).
Quando
estavam se beijando em frente da casa de Anna, a porta se abriu. – E onde vocês
estavam? Disse o coronel Reiter com sua voz mais severa. – Na reunião de
assistência de inverno, Vati, disse Anna.
– Não, com essa roupa, não é? Está quase sem membros a BDM? Agora está
aberta a Juventude Hitlerista? Peter nunca vira o coronel Reiter com raiva
antes. – Entrem os dois, disse ele. Era uma ordem, mais que um pedido.
-
Então, o que foi que aconteceu? Perguntou Frau Reiter. Anna, por que a mão do
Peter está enfaixada? Anna ficou confusa. Não esperavam por isso. – Cai e machuquei a mão numa pedra, disse
Peter sem muita firmeza. Os pais assentiram sem sorrir. – Fomos a um baile no
Café Berta, perto da Oranienburger Strasse, disse Anna. – Com gente boa e perfeitamente respeitável.
-
Anna, por favor, disse o coronel Reiter. Ele tentava soar razoável. Você nos
teria contado que ia se fosse este o caso. Peter, onde vocês foram? – Fomos a
um baile de swing. Ele foi invadido pela HJ. Nós conseguimos fugir, disse Anna.
– Sua garota tola, ofegou Frau Reiter. Virou-se para Peter e disse: - Vocês têm
de prometer nunca fazer isso de novo. – Alguém viu vocês? Disse o coronel. –
Nós fomos com Segur, disse Peter. Não sabemos se ele fugiu ou não (p.128).
-
Quanto tempo vocês acham que vai demorar para ele abrir o bico para a Gestapo?
Peter nós confiamos em você porque achamos que você fosse um rapaz decente e
honrado. Mas você também é tolo, disse ele. A Gestapo virá aqui. Estou
esperando a batida na porta a qualquer momento, agora. Espero que você tenha
uma boa história para o professor Kaltenbach quando eles aparecerem a sua
procura. Imagino que ele vá se sentir muito decepcionado. Ele foi dispensado e
caminhou para sua casa muito infeliz.
Ele
não conseguiu dormir aquela noite e teve o mesmo sonho várias vezes. No dia
seguinte na escola, Segur não foi visto em lugar algum. O medo de Peter se
intensificou. A aula terminou de modo enfadonho. Ele ficara o dia todo entre o
medo e a exaustão. Por duas vezes pegou no sono na sala. Assim que cruzou os
portões da escola, montou em sua bicicleta e foi até a casa de Segur. A mãe
dele atendeu a porta.
Ela
parecia chocada e apreensiva. – Você
veio ver o meu pobre Gerhart, disse ela. Ver o que fizeram com ele. Frau Segur
tinha orgulho de sua cruz materna de bronze, recebida depois da chegada do
quarto filho. Sempre a usava no casaco e ficava muito indignada se os garotos
da juventude hitlerista não a saudassem na rua, como eram obrigados a fazer.
Peter sabia que, com ela, tinha de jogar com cuidado.
-
Mas o que aconteceu com você? Disse Peter. – Um bando de limpadores de rua
polacos, disse ele. Ou talvez ucranianos. Eles me atacaram sem nenhum motivo. –
Gerhar, você deve dar queixa disso, disse sua mãe. – Eu vou, eu vou, disse ele.
Assim que ela saiu para fazer um café ele disse a Peter: - Eles me bateram, meu
Deus do céu, eles me bateram, sussurrou ele. Eu não conseguia me mexer, mas os
filhos da mãe estúpidos me deixaram ali. Vi jogarem uns quinze deles num
caminhão, mas me deixaram ali (p.130-131).
-
E que história é essa de polacos e ucranianos? Disse Peter. Se a polícia for
atrás desta história, haverá punições e, até mesmo, execuções. – Não tinha
pensado nisso, disse Segur. – Vou dizer que você vai dar queixa do crime. Peter
concordou e disse a Frau Segur que iria imediatamente a polícia contar tudo o
que tinha acontecido.- Escória eslava, disse Frau Segur. Nós lhes damos
trabalho e comida e poupamos suas vidas miseráveis, e o que eles fazem para
agradecer?
Peter
pedalou para casa cheio de felicidade. Estavam seguros. Não ia haver uma batida
a porta de manha cedo. Foi imediatamente a casa dos Reiter e bateu a porta com
impaciência. Frau Reiter atendeu. – Ah, é você, disse friamente. – Posso ver
Anna, por favor? – Ela não está em casa. – A senhora poderia dizer a ela que
Segur está bem? Eu conto mais quando a encontrar. – Você não vai, disse Frau
Reiter. – Decidimos que você e Anna não vão mais se ver. Mas obrigada por sua
mensagem. Adeus, Peter. A porta se
fechou com uma batida firme e decisiva (p.131).
Capitulo
19: Novembro de 1942
Dois
dias depois, Peter viu Anna na Biblioteca. Ela estava sentada e fingiu não
vê-lo. Ele ficou chateado e até com raiva e se enterrou nos estudos. Depois
percebeu alguém passar próximo de sua mesa e quando ergueu os olhos, ela
caminhava de volta para o lado distante da sala, mas havia um pedaço de papel
dobrado em um de seus livros sobre a mesa.
Encontre-me
lá fora em cinco minutos. Estava chovendo muito e Anna levava um guarda-chuva
grande e o convidou para ficar embaixo dele. Beijaram-se e caminharam juntos de
braços dados. - É a gente estragou todo
indo aquele baile. Mas não importa, vai passar. Ela o beijou carinhosamente na
face e foi embora. Quanto mais a chuva encharcava as roupas dele, mais ele se
sentia confuso (p.132).
Peter
gostava do outono, mas apesar da proximidade do inverno, outubro e novembro
sempre o enchiam de esperança no futuro. Ele achava que era porque o ano letivo
começava no outono. Depois todos esperavam pelo Natal e, em seguida, a promessa
da primavera. Peter sentia saudades de Anna, especialmente porque Segur também
estava se mantendo afastado. A surra parecia ter arrancado seu espírito. Anna e
Segur eram as válvulas de escape de Peter (p. 134).
Com
eles podia conversar sobre qualquer coisa, o que fazia tudo parecer mais
suportável. Foi só no inicio de dezembro que Anna finalmente voltou a entrar em
contato. Depois daquela conversa fora da biblioteca, tinham se visto na rua uma
ou duas vezes, mas ela o evitou. Isso começou a preocupa-lo. Mas um dia, quando
caminhava de volta da escola para casa, ela se aproximou e entrelaçou o braço
no dele.
Eu
tinha razão, disse ela com um sorriso. Eles acabaram cedendo. Mutti disse: “Não
aguento ver você tão triste. Se quiser ver o Peter pode vê-lo, mas nada de
bailes. Nada de coisas tolas e perigosas”. Três dias depois, ela apareceu a
porta dos Kaltenbach. Seus olhos estavam vermelhos de choro. – é Stefan, disse
ela. Ele está de volta a Berlim, mas está no hospital militar em
Charlottenburg. Foi muito ferido em Stalingrado. Vatti acha que ele pode perder
a perna (p.135).
No
outro dia, Peter e Anna foram vê-lo. Os corredores do hospital eram
perturbadores. Parentes em silêncio austero, estavam sentados perto das janelas
cobertas de gelo. Pacientes sem membros claudicavam (*) em muletas, enfermeiras
e médicos corriam ansiosos de uma enfermaria a outra. Quando Stefan sorriu, o
que fez com certa dificuldade, Peter viu o rapaz bem apessoado que ele era. –
Então você é o Peter! Disse ele. Mal posso me mexer, mein Liebling, disse
Stefan sem forças quando Anna tentou beijá-lo. Minha perna tem um estilhaço e
está muito infeccionada. Tive sorte de sair de lá. – Não se preocupe Stefan, só
descanse, disse Anna. Vamos ficar aqui para lhe fazer companhia (p.137).
Não.
Tenho que contar a vocês, disse ele. Nosso quartel general ficava perto da
margem do rio. De repente os russos começaram com o bombardeiro intenso e
prolongado. Por fim, ele parou. Foi o silencio mais assustador que já ouvi em
minha vida, mas ouvimos barulhos de motores de tanques que caíram quase em cima
da gente. Foi apavorante. Todos achavam que iriamos vencer. Tínhamos tomado
quase toda a cidade. O general Paulus chegou a fazer desenhos para a medalha da
campanha vitoriosa (...). Mas eles se agarraram com as unhas e vão resistir até
nos expulsarem de sua terra (p.138).
Anna
não levou mais Peter com ela para vê-lo, embora ele quisesse. – Stefan
precisava de paz e sossego. Peter sempre perguntava por ele a Anna. Uma semana
antes do Natal, ela chegou com ótimas notícias. – Ele agora está bem melhor. A
perna está curando e não vai perdê-la.
Eles disseram que ele vai sempre mancar um pouco, e terá de andar com
uma bengala. E isso é melhor do que esperávamos (p.140).
Capitulo
20: 16 de janeiro de 1943
O
professor Kaltenbach sempre garantiu a sua família que eles estavam seguros em
sua cidade. A linha de frente soviética se estendia de Leningrado e Moscou até
o Cáucaso[9].
Ele lembrava a todos: “Nenhum bombardeiro soviético podia voar tal distância”.
Algumas cidades e vilarejos ao lesta haviam sofrido alguns ataques, mas até o
momento, a Luftwaffe e as defesas antiaéreas em torno da capital eram
formidáveis o bastante para mantê-los longe (p.141).
Logo
depois do ano novo, os britânicos pegaram a cidade de surpresa. – Acho que eles estão apenas testando, disse
o professor. Os Kaltenbach estavam todos na cama e as sirenes só tocaram quando
os bombardeiros estavam em cima da cidade. Peter dormia profundamente, quando
Herr Kaltenbach entrou em seu quarto para acordá-lo e arrancá-lo da cama.
Rápido Peter, se vista. Mas, mal ele tinha terminado essas palavras e um
assovio distante seguido de explosões altas para fazer tremer as janelas.
Charlotte começou a chorar e a mãe dela a silenciou com um tapa rápido na
perna.
O
lamento da sirene começou a diminuir, mas em seu lugar ouviram o rugir de
motores de aviões e, pelo barulho, havia um grande numero deles. A família
desceu rapidamente as escadas até o porão, junto com outros moradores
sonolentos do prédio. O porão estava trancado, pois eles não esperavam por
isso. Outra saraivada de bombas caiu assoviando e explodiu em algum lugar a
oeste (p.142).
O
porteiro Schlosser chegou em cinco minutos mais tarde e abriu a porta do porão.
Todos correram para ele e se sentaram sobre o chão de pedra e ficaram em
silêncio a esperar. Agora havia tanta gente amontoada no porão que não dava
para se mover. Mas não estava tão frio quanto temeram, pois muita gente junta
gerava calor. As pessoas começaram a conversar e as crianças se moviam entre
teias de aranha, poeira e vassouras quando uma grande explosão sacudiu o
edifício.
Houve
gritos e um fedor horrível. Schlosser pediu que ficassem em silêncio. Vou
buscar velas. Quando abriu a porta, outro cheiro penetrou no porão com uma
rajada do ar frio da noite. Outras bombas caíram ao longe. Eles não ouviram mais
aviões, mas um crepitar assustador de coisas se quebrando que durou muito
tempo. Era um prédio caindo. Peter se deu conta de que poderia ser o edifício
de Anna (p.143).
O porteiro voltou
com as velas e fechou a porta. – Parece que estão indo embora, mas vamos ficar
aqui até o sinal de que está tudo seguro tocar. Peter conseguiu ver sua
silhueta corpulenta no vão da porta. Era grande como um urso e forte como um
tronco de madeira. Os pais de Anna também o conheciam. Eles esperaram por mais
uma entediante e fria hora até a sirene que avisava que tudo estava bem tocar,
isso era as três horas da manhã, e todos se arrastaram de volta para cama. A
primeira luz da manhã, a família Kaltenbach se reuniu em torno do rádio para
ouvir as noticias (p.144).
A reportagem era
totalmente positiva: “Os bombardeiros do terror”, disse o locutor, causaram
poucos danos. Peter terminou rapidamente o café e perguntou a Frau Kaltenbach
se podia ir ver o que tinha acontecido nas imediações deles. Ali na rua de
paralelepípedos, viu destroços do ataque aéreo vindo dos apartamentos
espalhados pelas ruas: poltronas em brasa, cristaleiras despedaçadas, livros
jogados abertos e tantas outras coisas. Um prédio inteiro fora destruído.
Corpos carbonizados jaziam na rua a espera de identificação, ainda descobertos.
Algumas pessoas se reuniam em grupos para encarar a cena em silencio ansioso.
Herr Schlosser também veio para dar uma olhada. Aquilo era apenas o começo (p.
146).
Capitulo
21: 18 de janeiro de 1943.
O
rádio anunciou que trinta Lancaster e cinco Halifax tinham sido derrubados
sobre a Alemanha e que o restante voltou correndo para a Inglaterra. Mas eles
retornaram a Berlim na noite seguinte. Dessa vez a defesa antiaérea estava a
espera. Fotos dos bombardeiros britânicos apareceram nos jornais: - veja esse
Lancaster e Halifax, disse Segur. Quatro motores e oito metralhadoras.
Tripulação sete e dez mil quilos de bombas. Eles são maquinas e tanto.
Disse
Peter: não sei porque não botaram uma arma na barriga do bombardeiro. Se
estivéssemos lá no alto em nossos caças, era só entrar por baixo deles e
fazê-los em pedacinhos. Lothar Fleischer estava escutando e disse: - Você não
tem a menor chance de entrar na Luftwaffe, eles só aceitam os melhores. E esses
bombardeiros britânicos não são de nada perto de nosso Condor. Segur falou: - É
verdade, os ingleses tem aviões feios mesmo, mas eles levam muito mais bombas
que os nossos da Luftwaffe (p.147).
Fleischer
olhou para ele com desprezo. - Isso é conversa de derrotista, Segur. Se gosta
tanto deles, podia entrar para a RAF! E deu um tapa na nuca de Peter. Este
ficou tão furioso, desferindo um soco em Fleischer que o jogou no chão. Walter
Herr, chefe do esquadrão, disse: guardem suas forças para os judeus e os
russos, rapazes. Enquanto ele cuidava de seu nariz sangrando. Ele olhou para
Peter como se dissesse: “Isso não acabou aqui”. Não acabou mesmo (p148).
Não
foi um bom começo de ano. Alguns dias depois dos bombardeios, mais más noticias
chegaram do front oriental. O sexto exército do general Paulus estava com
grandes dificuldades em Stalingrado. No fim de janeiro, ele transmitiu uma
mensagem pelo rádio para os alemães: “A suástica ainda tremula sobre
Stalingrado. Que nossa luta sirva de exemplo para as gerações vindouras, de
nunca se render, pois mais que as possibilidades sejam desesperadoras”. Três
dias depois, o general Paulus se rendeu. O povo alemão foi apresentado a sua
primeira grande derrota militar por horas de música solene tocada em todas as
estações de rádio.
Peter
se encontrou com Anna no dia seguinte: - Isso é um prenúncio para o futuro,
disse ela. Uma fera acuada é sempre mais perigosa. Você vai ver. Os nazistas
vão sair disso ainda mais fanáticos, mais irracionais que nunca. Peter nunca
tinha pensado sobre o que aconteceria se a Alemanha perdesse a guerra. Hitler
sempre falava em um “Reich” de mil anos, mas agora havia problemas em seu sonho
de invencibilidade (p. 149-150).
Peter
foi perdoado pelos Reiter e voltou a frequentar sua casa. Numa dessas visitas o
Coronel Reiter perguntou a ele como achava que a guerra iria acabar. – Na
verdade, nunca pensei realmente nisso, disse ele. – Acho que os russos,
americanos e os ingleses vão fazer a paz conosco e vão nos deixar controlar
alguns territórios no leste. Anna falou em seguida: - Isso nunca vai acontecer.
Ouvi a BBC outro dia: Churchill e Roosewelt, disseram que só aceitarão uma
rendição incondicional. Se eles negociarem os termos de paz com os nazistas,
não haverá acordo (p.151).
-
A guerra vai terminar com a ocupação da Alemanha. Agora os nazistas vão lutar
até o amargo final, disse o coronel. No inicio de fevereiro, o regime nazista
contou como pretendia reagir a catástrofe de Stalingrado. O ministro de
propaganda, Joseph Goebbels, fez um grande discurso no radio e foi anunciado o
dia inteiro. Ele falava do Sportpalast, em Berlim, e o estádio estava lotado. O
auditório aplaudia cada frase dita por ele: “A culpa daquela guerra era dos
judeus” ele lembrou aos ouvintes, uma onda de ódio varreu a plateia de forma
tão profunda e nefasta que quase era possível senti-la através da estática das
ondas do radio (p.152).
Dois
mil anos de história ocidental estão em perigo, disse para todos. Agora os
bolcheviques[10] estavam
chegando, a Alemanha era a única esperança da Europa. Vocês querem guerra
total? Ele perguntou a multidão, quando todos aplaudiram loucamente. – Então,
levantem-se que a tempestade seja deflagrada. O Sportpalast irrompeu em uma
ovação frenética. Os Kaltenbach estavam bastantes empolgados ao ouvir Goebbels,
mas as garotas estavam caladas. – Os malditos judeus que começaram esta guerra
nem vão saber o que os atingiu. Agora vamos ensinar a eles uma lição que nunca
vão esquecer (152).
Capitulo
22: 3 de fevereiro de 1943.
Os ataques aéreos
britânicos ficaram mais frequentes, eles tinham inventado uns aviões de combate
rápido, de dois motores que foi chamado de mosquito. Nome apropriado, pois
zumbia baixo sobre Berlim causando grande devastação. A vida de todos foi
afetada e os Kaltenbach perderam a Yarina, sua empregada. Ela foi recrutada
pelo Ministério de Armamento para trabalhar numa fábrica no oeste da cidade.
Agora, todos da
família tinham que ajudar nas tarefas de casa, principalmente as meninas. – Por que Peter não pode ajudar com a louça e
com a limpeza? Disse Traudl. O professor riu com benevolência. – Nosso
Fuhrer disse que a vida de uma boa
garota alemã, deve estar focada no lar. Vocês deviam ver suas tarefas como parte de seus deveres nacional-socialistas.
Ele concluiu dizendo: - Peter tem que fazer um trabalho mais arriscado (153).
Os garotos da HJ
tinham recebido a missão de se juntarem a Luftschutz de Berlim, as defesas
antiaéreas. E alguns tinham que operar canhões, outros formavam esquadrões de
bombeiros. Era trabalho potencialmente perigoso. Peter se ofereceu
voluntariamente para ser mensageiro. Se as linhas telefônicas se rompessem ou
dessem problemas, seria sua tarefa pegar a bicicleta e ir entregar as ordens.
Isso o atraía. Podia ser perigoso, mas ele gostava de fazer algo para proteger
as pessoas dos bombardeios. Anna estava impressionada (154).
Dias mais tarde
eles se encontraram na biblioteca. – Café com bolo por minha conta? disse ela.
Era uma tarde chuvosa de inverno. O local estava quase deserto. Um rádio tocava
alto uma música dançante. Eles escolheram uma mesa bem afastada do balcão. Anna começou a falar com cautela. – Se você
quer mesmo fazer alguma coisa contra os nazistas (...).
Ela observava o
rosto dele o tempo todo, em busca de confiança.
– Então pode me ajudar, pois conheço umas pessoas que ajudam judeus, em
sussurro. Peter sentiu um calafrio no fundo da alma. Isso já não érea brincar
de se rebelar contra os nazistas. Isso era de verdade. – Eles estão numa
situação muito difícil, disse ela, principalmente depois da declaração de
Goebbels. Na época, Peter não deu tanta importância, mas agora não era que
todos os judeus de Berlim tinham sido removidos para o leste? (156).
Ainda sobraram
alguns, disse Anna. Alguns com habilidades especiais, como engenheiros e
construtores de máquinas. Agora a sorte deles acabou. Então, centenas e
milhares foram para a clandestinidade. Você sabe os submarinos que o policial
mencionou. Bem, eu os ajudo. Levo comida, mas agora são muitos e é difícil
atender a todos. Pensei que talvez pudesse me ajudar (157).
Peter estava
atônito e não sabia o que pensar. O que restou foi medo. Pensou em como ela
estava se arriscando e sentiu na necessidade de protegê-la. Sim, claro, ele
iria ajudar. Mas estava apavorado. Dançar swing podia resultar numa surra ou
prisão temporária, mas a punição para aquilo era tortura e execução. Após
tomarem o café, ele disse: - Anna, como você encontra coragem para fazer isso?
– Ela tomou sua mão, com o olhar cheio de lágrimas; - Eu conto para você no
caminho para casa. – Há alguns meses,
quando comecei a fazer isso, eu estava apavorada, mas me lembrei de uma foto
que Stefan me mostrou, que ele conseguiu com um soldado de sua divisão (158).
É a coisa mais
horrível que já vi em minha vida. Havia um grupo de mulheres só de roupa de
baixo, todas encolhidas, de costas para a borda de uma vala larga. Nessa vala
havia uma pilha de corpos, enquanto elas esperavam para serem as próximas a
serem mortas. Ela parou por um instante, tentando se recompor. - Mas o que era
mais terrível é que havia entre elas uma menininha. Devia ter no máximo uns
oito ou nove anos.
Ela devia estar
apavorada, olhando para aquela pilha de corpos no buraco, esperando por uma
bala. Então ela parou e disse: - Mutti tem certeza de que eram todas judias.
Peter a abraçou com força e engoliu a seco. – O que posso fazer para ajudar?
(159).
Capitulo
23: 14 de fevereiro de 1943.
Ula Reiter brincava
nervosamente com o fio de telefone enquanto falava: - Como está Onkel Klaus?
Este era o código que usavam para se referir a famílias judias que eles
ajudavam. Ela pôs o telefone no gancho com suspiro pesado e disse para Otto: -
Precisamos fazer outra coleta de alimentos, pois os Abraham estão todos doentes
e, provavelmente, a causa seja a falta de comida. – Um casal com cinco filhos,
disse Otto. Eles podem ficar juntos e comprometer as pessoas que os estão
ajudando a serem presos ou executados. Ou podem ter um pouco de bom senso e se
separarem (160).
Ula disse: - Temos
o bastante para um quilo de carne, meio de margarina, três quilos de pães e dois
de enlatados. Isso mal dá para mantê-los por uma semana. Otto disse: - Os
Schafer vem aqui esta noite. Tenho certeza de que vão contribuir. O coronel
Ernest Schafer era amigo de Otto do Ministério do Exército. Ele e a mulher,
Magda, estavam sempre prontos a ajudar (161).
Alguns dos judeus
que não conseguiram fugir, foram para a clandestinidade, mas as pessoas prontas
a ajuda-los, como os Reiter e Schafer, eram raros. Os judeus remanescentes em
Berlim estavam sendo apanhados em pequenos grupos. Eles não podiam ficar o
tempo inteiro sem ir a rua. A Gestapo os prendia e os amontoavam dentro de um
furgão preto. As vezes, havia assassinatos a sangue frio, bem ali no meio das
ruas de Berlim.
Ula explicou para
Anna que a família Abraham estava doente e precisando de suprimentos extras. –
Precisamos de ajuda Mutti, disse ela. – É difícil demais, você nunca sabe a
quem pedir. – Devíamos pedir a Peter, disse ela. – É perigoso demais. Como você
se sentiria se ele fosse executado? – Eu já pedi e ele quer ajudar, disse Anna.
Ula gostava de Peter, mas o achava cabeça quente, jovem e tolo demais para o
trabalho tão perigoso. Disse com um suspiro; - Está bem.
Ula disse para
Peter: - Você não precisa fazer isso. – Mas há muitas entregas para serem
feitas, por isso é uma grande ajuda para todos nós. Antes que ele saísse, ela
disse: - Anna te contou o nosso plano de emergência? Peter sacudiu a cabeça; -
Se a Gestapo nos pegar, vá para um esconderijo seguro. Se alguma coisa
acontecer, quero que se lembre desse número Kreuzberg 1791. É o ano peem que Mozart morreu (164).
Ligue para esse
número e pergunte por Wulfie, de Wolfgang Amadeus Mozart. É muito importante se
lembrar disso, Peter. Para o caso de alguém estar escutando. Ele partiu com o
pequeno embrulho para a entrega. Quando chegou ao local indicado, bateu a porta
da frente, seu coração pulsava tão forte que imaginou que outras pessoas
pudessem ouvir. Rapidamente a porta se abriu e entregou a comida a uma mulher
de meia idade (165).
Voltar para casa
para jantar com os kaltenbach depois daquilo, foi quase tão perturbador quanto
levar a própria entrega. Sentados a mesa, Peter ficou a imaginar se eles
soubessem o que fez, o entregaria a Gestapo sem pensar duas vezes. Sentiu
saudades dos pais e da vida segura na fazenda.
Capitulo
24: 2 de março de 1943.
Nesta noite, os
britânicos voltaram com toda força. Peter estava se aprontando para deitar,
exausto e louco para dormir, pois acabara de fazer outra entrega para os
submarinos. O cansaço era mais pela preocupação e medo de ser pego, e pelas
desculpas que tinha que dar aos Kaltenbach para poder cobrir seus rastros, do
que a própria entrega. Vestiu-se rapidamente e pulou na bicicleta, pedalando
loucamente. O ponto de observação ficava a menos de cinco minutos, quando
chegou lá, ainda havia gente correndo que estavam no cinema ou nos bares (166).
Quando as sirenes
tocavam de dia, quase sempre era um alarme falso ou no máximo um ou dois
mosquitos. Ataques noturnos, porém, prometiam algo mais perigoso. – É dos grandes, disse o oficial que estava
no torre de observação de incêndio; eles devem chegar aqui em meia hora. A
julgar pelo ronco dos motores, devia haver centenas de bombardeiros lá em cima.
Peter passou a noite ouvindo as explosões distantes de bombas de alto poder
destrutivo e rezando para que não chegassem mais perto (166).
As primeiras luzes
da manhã, ele foi enviado para Wilmersdorf, o bairro mais próximo atingido pelo ataque: - Vá ver se
pode fazer alguma coisa para ajudar, disse o oficial para Peter. Ao chegar lá,
deparou-se com uma cena de devastação completa. Os bombeiros ainda lutavam para
apagar prédios em chamas, enquanto muitos outros fumegavam. O cheiro horrível
de fogo, esgoto e vazamento de gás enchia o ar.
Também havia corpos
e já estavam dispostos para a identificação, incluindo de várias crianças.
Corpos carbonizados e retorcidos, os gritos de ou de parentes rasgavam o ar, ao
encontrar um ente querido naquele desfile horrível. – Atenção! Chamou um líder
do esquadrão HJ. – Há alguém aqui
embaixo. Ele se abaixou e falou: - Você pode me ouvir? Tirou mais alguns
tijolos e puxou uma mão pálida. Ele estava frio, anunciou com naturalidade
(167).
Peter veio ajudar.
O menino morto pareceu-lhe familiar. Sua cabeça estava raspada e era
terrivelmente magro; seu rosto esquelético. Era Waldek. – É a droga de um
Ostarbeiter, disse o líder do esquadrão, assim que viu o triangulo azul com um
P em seu casaco, que indicava ser um trabalhador polonês. – Esqueçam-no, vamos
procurar nosso povo. E, de qualquer jeito, deve estar infestado de piolho.
Peter tentou afastar a raiva de sua voz e disse:- Eu o desenterro. – Tudo bem,
disse o líder, pois não podemos deixa-lo ai para sempre. Depois de limpar o
suficiente para Waldek do entulho, o levantou e levou-o até a beira da rua onde
estavam outros corpos dispostos (168).
Pare de perder
tempo com esse polaco, rosnou outro líder de esquadrão e o mandou para um
prédio do outro lado da rua. Ele trabalhou por mais uma hora tentando não
pensar no que tinha acabado de acontecer. Os aviadores britânicos eram
assassinos, era verdade o que os nazistas diziam sobre eles. Eles matavam
indiscriminadamente. No entanto, Peter também detestava os nazistas, por
fazerem aquele garoto passar fome até um bombardeiro britânico dar fim ao seu
sofrimento (169).
Esse ataque aéreo
do inicio de março chocou muita gente. Até o esquadrão de Peter na HJ ficou
mudo nos dias seguintes. Muito deles tinham sido enviados para as áreas
bombardeadas, e agora a maioria tivera seu encontro com a morte. Uma semana
depois, Peter foi convidado para o chá com os Reiter. Eles lhe contaram que
havia rumores de motim entre soldados alemães que se recusavam a ir para o
front. – Mesmo assim, disse Peter, há motivo para a esperança.
Como aqueles
milhares de panfletos distribuídos em Munique. – Aquela história não teve um
final muito feliz, disse o coronel Otto. – Era um grupo de estudantes que se
chamava A Rosa Branca. Foram quatro execuções em menos de uma semana, depois
das prisões. Talvez, se tivermos sorte, a guerra termine em seis meses, disse
Ula. O coronel Otto sacudiu a cabeça. – Não. Os nazistas vão lutar até o fim
(170).
Capitulo
25: abril de 1943.
Sempre que a sirene
de ataque aéreo soava, Peter e todos os seus colegas de escola deviam disparar
para seus postos. Os ataques aéreos estavam ocorrendo com mais frequência. As
vezes, Peter ficava a noite inteira de prontidão. O resto da família
normalmente estava na rua, apesar de Elsbeth, que trabalhava em turnos variados
nos correios e, ás vezes, estava em casa (172).
Um dia, Peter
voltava para casa no meio da manhã, e a pegou andando pelada entre o banheiro e
o seu quarto. Ela gritou e correu para o quarto: - Pare de olhar para mim,
garotinho horrível, berrou ela. Porque ela não gostava dele daquele jeito? Ele
comentou isso com Anna. – Elsbeth não gosta de ninguém, Peter e riu. Não era só
ela que fazia do apartamento um lugar desconfortável. Até a conversa durante as
refeições quando não conseguiam evitar falar uns com os outros, era esparsa e
sombria.
No início de abril,
os jornais noticiaram a prisão do pianista Karlrobert Kreiten. Ele tinha sido
acusado de “enfraquecer o poderio militar e de paralisar e solapar a
determinação do povo alemão”. – A cabeça dele vai rolar, disse o professor
Kaltenbach. – Quer dizer que vão mata-lo? Disse Peter. Como um homenzinho
daquele pode ser tão perigoso? Ele olhou para Peter com uma carranca e disse: -
Não ensinam nada a você nesses encontros da HJ? Aquele homenzinho devia ter
pensado melhor, em vez de espalhar veneno derrotista (173).
Peter sacudiu a
cabeça. – Mas fomos nós que invadimos a Rússia. Nós os atacamos! Kaltenbach o
repreendeu: - Isso é veneno Bolchevique, Peter. O Fuhrer ordenou nossa ação
militar em autodefesa. – Onkel Franz, disse Peter, eu estava lá quando isso
aconteceu. A minha casa ficava perto da fronteira e não houve ataque
soviético. – Vá para seu quarto e não
volte para a mesa até se desculpar por sua conversa de traidor. E se eu ouvir
outra palavra contra o país que o recebeu em seus braços, você embarcará no
primeiro trem para Varsóvia (174).
Franz e Liese
estavam relutantemente chegando a conclusão de que seu projeto estava
fracassando. Peter tinha muitas qualidades que desejavam em um filho, era alto
e nórdico, corajoso e inteligente. Mas nunca seria o “soldado político” e
porta-bandeira do nacional-socialismo que esperaram criar. Ele era de muito bom
caráter. Era molenga demais. Tinha muita simpatia pelos pobres e
desafortunados.
- É a parta polaca
dele, disse Liese, pouco antes de ela e Franz irem dormir. – Ele não tem a
habilidade alemã de se aplicar a uma tarefa até concluí-la. E eu já o vi olhar
para os Ostarbeiters na rua. Ele parece sentir pena deles. Kaltenbach assentiu
com a cabeça. – Não importa. No ano que vem, ele vai para o treinamento militar
e isso vai lhe dar um pouco de juízo. Vamos notar, então, uma mudança para
melhor. Você vai ver. Kaltenbach se abrandou. Mas ele também não é uma decepção
completa. Pelo menos tem uma namorada decente. E de boa família, também. Liese
deu um sorriso raro. O próprio Fuhrer sem duvida aprovaria o casal (p.174-175).
A derrota em
Stalingrado tinha abalado todo mundo, e os Kaltenbach andavam irritadiços com
Peter. Talvez pelo orgulho, não queriam admitir para amigos e vizinhos que ele
não florescera sob sua orientação como esperavam. Certa noite, Charlotte
parecia totalmente distraída, depois de algum tempo, perguntou ao pai: - Acha
que os russos vão chegar aqui e nos matar? Kaltenbach deu um sorriso bondoso e
foi buscar um atlas. – Olhe, mein Liebling, Stalingrado fica aqui. Ele apontou
um ponto além do Mar Negro e perto do Mar Cáspio. Nós estamos aqui, olhe como
eles estão longe. Frau Kaltenbach disse: - O Fuhrer vai proteger você. Os
russos nunca vão triunfar. Eles são Untermenschen, disse ela. – No fim, vamos
reduzi-los a pedaços.
Em um dia no inicio
da primavera, Peter havia tido uma noite muito cansativa em que não tinha
sequer pregado o olho. Voltou para casa e viu que não tinha ninguém e ele
gostava de ficar sozinho, mas desta vez, queria tomar um banho e um bom café, depois
ir para seu quarto e descansar. A caminho do banheiro percebeu a porta do
estúdio do professor Kaltenbach aberta. Isso era uma novidade, pois ele nunca a
deixava sem trancar. Certa vez, Charlotte perguntou sobre isso, e ele disse: -
Trabalho sigiloso, mein Schatz” trabalho secreto para o bem de nossa pátria
(p176).
Peter parou em
frente a porta e empurrou com o dedinho, quando ela rangeu bem alto ao se abrir
que o assustou, fazendo-o sentir uma pontada no estomago. Uma vozinha insistia
em dizer-lhe: Pare! Não faça isso! Mas ele foi atraído para dentro do estúdio
como se tivesse sido puxado por uma força magnética. Esse compartimento era
muito estreito, onde havia uma escrivaninha. O único espaço que não estava
ocupado com livros era preenchido por uma foto emoldurada do Fuhrer. Se alguém
chegasse a casa, ele seria pego de surpresa, com a mão na massa. A porta de
entrada da casa dava direto para o corredor do estúdio (p.177).
Havia uma qualidade
onírica (...) estranha em tudo aquilo. O pressentimento terrível e uma voz em
sua cabeça não parava de dizer: “Vá, saia daí!” Em uma das cartas sobre a
escrivaninha, Peter notou o slogan: “Esterilizem os judeus!. Assim o sangue
saudável e o imundo não vão se misturar”. Isso estava escrito em letras góticas
escuras. Um amigo do professor Kaltenbach de nome Wolfgang Abel, havia escrito
um artigo interessante sobre sua pesquisa antropológica em que conduzira presos
soviéticos. Em um paragrafo resumido, dizia que entre os russos havia um
componente de raça nórdica maior do que imaginara antes. Isso fazia deles um
adversário muito mais formidável do que os eslavos da Europa Oriental (p178).
Outro documento
chamou a atenção de Peter. Estava escrito em tinta escura, escrita
apressadamente na parte de baixo:
Até agora não há indicações de que a origem
racial e/ou grupo sanguíneo dos infectados ofereçam qualquer sugestão de
fatalidades esperadas. O teste não é mais conclusivo que a infecção
humano/animal.
Será
que o professor Kaltenbach estava envolvido nisso ou apenas lendo sobre o
assunto? Peter queria acreditar que esse homem, que tinha cuidado dele, que o
trouxera para sua casa e o resgatara do orfanato, não podia ser parte de
qualquer experimento vil. Entretanto, sabia que era o tipo de coisa que o
Instituto Kaiser Wilhel estaria interessado.
- Mas que intrometido dissimulado, era a voz
de Elsbeth. O que está fazendo aí, bisbilhotando o estúdio de Vater? Você sabe
que é proibido. Peter tentou falar alguma coisa. – A porta estava aberta. Não
toquei em nada (...) - Parecia ridículo demais para continuar. – Sua serpente.
Você não vai se safar dessa. Assim que Vater souber, você vai embarcar no
primeiro trem de volta para a Polacolândia, a menos que entreguem você direto
para a Gestapo. Você sabia que nunca devia entrar aqui. Isso é tudo
confidencial. Seu traidor polaco. Você está espionando, não está? (P.179).
-
Isso aqui, olhe só. São experiências. Parece que são experiências com seres
humanos. Ela parou um instante. – Não me interessa o que seja. Você, em
especial, não tem permissão para ver isso. Você é um espião, devia ser
fuzilado. E pensar que recebemos você em nossa casa e o tratamos como um irmão.
– Elsbeth, você foi treinada como enfermeira. Olhe para isso. Você sabe que é
errado. – Olhe, disse Peter, e me diga do que se trata. Ele leu a introdução do
Relatório para ela:
O comissário geral do Fuhrer, o SS
Brigadenfuhrer professor Dr. Brandt, procurou-me para solicitar que eu o
ajudasse a obter prisioneiros para serem usados em conexão com sua pesquisa
sobre as causas da icterícia epidêmica, que obteve grandes progressos. Para
aumentar nosso conhecimento, até agora embasado apenas na inoculação de animais
com germes obtidos de seres humanos, seria necessário inverter o procedimento e
inocular seres humanos com germes cultivados em animais. São esperadas vítimas
nesse (...).
Ele olhou para Elsbeth. A maldade desaparecera de seu
rosto. Por um instante, ela pareceu sem palavras. Então eles jorraram
descontroladamente. – Isso não é da nossa conta. O que quer que seja é para o
bem da Alemanha. Vai manter nossos soldados vivos. Não me importa que eles
matem Untermenschen se for para salvar a vida de um único soldado alemão. Mas
ela começou a chorar quando disse isso. Lágrimas escorriam por seu rosto e,
encostada a parede, ela escorregou até o chão (p.180).
Peter estava perplexo. Ficou parado
por um instante, enquanto ela se acalmava. Então ele disse: - Devíamos sair
daqui. E caminhou na direção da porta. Ela começou a se recompor e enxugou as
lágrimas. – Não, eu quero ver isso. Ela foi até a escrivaninha e folheou o
relatório. Depois de um minuto, disse: - É uma experiência médica. Estão
infectando os prisioneiros de Sachsenhausen com icterícia. Então veem se os
grupos sanguíneos e os tipos raciais tem alguma relação com a evolução da
doença. É o tipo de coisa que as empresas farmacêuticas fazem quando testam
vacinas e drogas novas. Só que eles estão testando diretamente em humanos.
- Meus Deus, olhe isso, disse ela,
enquanto pegava cuidadosamente papéis em outra pasta aberta. Ela pegou um
relatório em que tinha uma foto anexada de um jovem de cabelos negros
desgrenhados que encarava a câmera com tristeza. – Esse é o projeto de Frau
Doktorin Magnussen, disse Elsbeth. Eu a conheço. Ela trabalha com Vater no
Instituto. Está tentando descobrir se há alguma relação entre a raça e os
padrões da íris. Peter não estava entendendo nada (p.181).
- A íris, dummkopf, disse ela,
apontando para os olhos. Por isso estão enviando a ela globos oculares de um
dos campos. Esta é uma ficha que veio da íris. Esse rapaz é sinti, uma espécie
de cigano. Provavelmente foi morto logo depois de tirar a foto. Eu diria que
estão enviando para Frau Doktorin olhos judeus, eslavos e russos. E de alguns
alemães que despertaram o interesse da Gestapo. Não consigo mais olhar para
isso.
Ela guardou os papeis de volta na
escrivaninha e saiu dali, sendo seguida por Peter, mas antes, deixou tudo bem
arrumado como estava antes. Disse Peter a ela na cozinha: - Pensei que você não
estivesse em casa, pois as duas fechaduras estavam trancadas. – As vezes faço
isso quando estou aqui sozinha. Só me sinto segura quando a porta esta
trancada. Sentaram-se juntos na sala e beberam café. Peter se perguntou se
Elsbeth poderia contar ao pai, mas ela também tinha olhado. Tornara-se sua
cúmplice. Era culpada também.
Tenho certeza de que o Fuhrer sabe
dessas experiências, o que não consigo entender é como uma coisa tão boa e
certa para a Alemanha pôde se transformar e se desencaminhar desse jeito.
Lembro-me quando era criança como as coisas eram difíceis nesse pais, sempre
passávamos fome. Havia muita confusão nas ruas. E o Fuhrer chegou e nos salvou
de tudo isso. Ela pôs tudo aquilo para fora num tom desanimando, seu rosto
estava inexpressivo. Peter se perguntou o que a transformara naquela concha
vazia.
Capítulo 26 e Seguintes (vai até o
40º):
Elsbeth continua a desabafar para
Peter e como tinha sido uma nacional-socialista perfeita. Foi líder do grupo da
Bund Deutscher Madel aos catorze
anos. Foi a única do grupo escolhida para conhecer o Fuhrer pessoalmente.
Quando olhei dentro de seus olhos, até jurei dedicar a minha vida pela
Alemanha, inclusive tentei engravidar de um jovem oficial da SS. Como o bebê
não veio, me alistei como enfermeira e voluntária para os trabalhos mais difíceis,
com os incuráveis, os doentes mentais e os aleijados.
Nesse tempo, nos disseram para
informa-los de toda criança menor de três anos que não fossem normais. Elas
eram levadas do hospital para um “Centro Especializado”, sendo recolhidas em um
furgão grande e velho, com todas as janelas pintadas de preto. Dizíamos aos
pais que elas seriam mais bem cuidadas lá. Mas, na verdade, eles aplicavam Morfina, Veronal, Luminal, entre outros
medicamentos, tendo uma morte igual ao de um animal – “Mortes Piedosas”.
(p.183).
Achei até, na época, que fazia
sentido para o bem da pátria: eles diziam que “essas crianças não mereciam
viver”. Minha dedicação e fidelidade foi tanta que o Dr. Herr Doktor Knodel,
convidou-me para trabalhar com ele num destes centros especializados, mas em
Brandemburgo. Então, passei para o outro lado. Agora, ao invés de escolher as
crianças que iriam para o centro especializado, fui trabalhar em um deles.
Era um antigo hospital psiquiátrico
cercado por uma cerca alta e placas que diziam: “Perigo de Contaminação”.
Agora, eu me tornei na enfermeira do furgão velho e preto. Costumávamos dizer
entre nós, que os “estávamos transformando em anjos”. Entretanto, Doktor as
chamava de “Máquinas montadas com peças defeituosas” (p.185).
Durante algum tempo, compactuei com
aquilo, minha enfermeira chefe costumava dizer: “Onde não há sofrimento, não pode haver piedade”. Até então, começar
a duvidar disso. Poucas daquelas crianças não tinham noção de onde estavam. Até
as crianças que não conseguem se alimentar sozinhas ou falar, gostam de
carinho. Quando estavam agitadas, bastava acariciar seus cabelos para se
acalmarem.
Muitas delas achavam que iam dar um
passeio conosco, ficando muito animadas, mas não sabiam que estavam indo para a
morte. Tentamos manter tudo em segredo, mas as pessoas começaram a descobrir.
Levamos muitas crianças para Brandemburgo e os chamávamos de os “Desinfetados”.
Elsbeth pronunciou esta palavra com muita raiva, parecia estar enojada com sua
própria insensibilidade.
Quando eram questionados pelos pais
a causa da morte, diziam: “morreu de sarampo”. Mas a criança já tinha tido
sarampo. Pelo que se sabe, ninguém contrai sarampo duas vezes. Ou, diziam:
“morreu de apêndice supurado”, mas essa pessoa já o havia extraído. Como nós
cremávamos todos os corpos, isso impossibilitava que pudessem fazer a
autópsia. (...).
Você já contou para mais alguém
sobre isso? - disse Peter. – Falei com Mutter e Vater. Tentei explicar que não
poderia mais fazer aquilo. Eles não quiseram saber. “Não é crueldade”, disse
Mutter. Ela tinha orgulho de ter uma filha no programa T—4 Aktion, como o
chamavam (p.187).
E o que fez com que você saísse? –
Foram os pacientes com problemas mentais, disse ela. – Os Esquizofrênicos, os
soldados com trauma de guerra. Esses soldados chegavam com as malas abarrotadas
de pertences pessoais, como relógios, broches e pulseiras, pentes e escovas de
cabelos, pois se preocupavam com sua aparência. Ela começou a chorar
silenciosamente. E as lágrimas corriam pelo seu rosto.
Comecei a pensar nas pessoas que podiam ter dado aquelas
coisas aos soldados como sendo presentes. O Dr. Knodel, costumava dizer que os
esquizofrênicos são como “cascas vazias”, pois não havia nada dentro de seus
cérebros. No entanto, eu percebia que isso não era verdade, principalmente com
os pertences que eles traziam para o hospital. Por isso, eu tive que parar.
Obrigado Peter, por ter me ouvido. Eu precisava falar para
alguém. Alguém que não me entregasse. Que não me repreendesse por ser fraca. As
vezes eu preferia ter morrido no lugar deles. Como você conseguiu viver com
você mesma?, disse Peter. Você é uma enfermeira treinada e devia cuidar das
pessoas. Que tipo de mundo é esse em que as enfermeiras saem por aí matando
pessoas inocentes? - Você tem razão Peter. Eu sou um monstro. E acho difícil
viver comigo mesma (p188).
Nos Capítulos
posteriores, iremos ler que o Coronel Otto Reiter já estava sendo
investigado por algum tempo, por estar ajudando judeus que se encontravam
escondidos nas ruas da Alemanha (os submarinos).
Havia também um monitoramento sobre a pessoa de Peter, pois
eles sabiam que ele tinha estado naquele baile com seu amigo Segur. O tenente
Brauer, da Gestapo, havia levado Segur para ser interrogado e o torturou
bastante para contar sobre Peter Bruck e Anna Reiter (Cap. 29, p.202 – 207). Depois
de feitas muitas investigações, eles prenderam o coronel Otto, enquanto sua
esposa – Ula Reiter, com ajuda de amigos, conseguiu documentos falsos para
eles, mudou a cor e o corte de cabelo, fugindo com sua filha Anna e com Peter.
“Segur se sentia como se tivesse passado por uma prensa e
as últimas gotas de conversa tivessem sido espremidas dele. Naquela noite se
sentiu envergonhado que chorou até dormir. Tivera de fazer alguma coisa para
evitar que Brauer (Tenente) o mandasse para um centro de detenção. Mas será que
devia avisar a Peter? Então pensou na ameaça de Brauer: Se contar a alguém, eu
vou saber.” Pensou bem e disse a si mesmo que não havia mais nada que pudesse
fazer (p.207).
Depois de muitas idas e vindas de trem, de terem que ficar
o dia inteiro escondido até o anoitecer, eles conseguiram chegar à Suécia, fixando-se
em Estocolmo, próximo ao mar, onde amigos os esperavam e, verdadeiramente, se
sentiram livres.
[4]
Suástica. Símbolo
religioso em forma de Cruz com os braços
voltados para o lado direito, que foi adotada como emblema oficial do III Reich
e do Partido Nacional-Socialista alemão, e se tornou símbolo do nazismo; cruz
gamada.
[5]
Eslavos. Ramo
etnográfico e linguístico da família indo-europeia. Geralmente divididos em
três grandes grupos: Eslavos Ocidentais (polacos, thecos, eslavos e lusácios);
Eslavos Orientais (Russos) e, por fim, os Eslavos Meridionais (Búlgaros,
Sérvios, Croatas e Eslovenos).
[8]
Gestapo. Foi o nome
dado a Polícia Secreta na Alemanha Nazista. 2. Esse nome é uma abreviação de
Geheime Staatspolizei (Polícia Secreta do Estado), uma organização que
investigava, torturava e prendia opositores ao regime nazista (Reich) da
Alemanha, entre 1933 e 1945.
[9]
Cáucaso. É o nome de uma região geográfica
situada entre a Europa oriental e a Ásia ocidental, entre o mar Negro e o mar
Cáspio. Nesta região encontra-se uma importante cordilheira de mesmo nome.
Marca uma das fronteiras entre a Europa e a Ásia. Engloba territórios pertencente
ao Azerbaijão, Armênia, Geórgia, Turquia e Irã. Esta região , históricamente, é
palco de grandes conflitos armados.
[10]
Bolcheviques. A
palavra significa “maioria” no idioma russo. Essa palavra passou a ser usada,
no começo do século XX, para designar os integrantes mais radicais do POSDR
(Partido Operário Social-Democrata Russo). Esse partido foi fundado em 1898 e
se opunha ao regime czarista de Nicolau II na Rússia.